30/10/2008

Cartas de Coimbra XVIII




Um dia de cada vez, pedi a mim própria. Os dias maus vão dobrar a esquina e eu vou voltar a contar os dias como quem desfia nervosamente um novelo de lã. Sinto-me transparente, a atravessar multidões nos corredores gelados que são hoje as bibliotecas de cigarros apagados. Sinto o calafrio das correntes de ar a soprar pelas portas trancadas. A promessa de um crime que se fez corações a dentro. Os amigos que nos livram das noites mais frias e que ficam connosco no dobrar da meia noite. Os ditados que se espalham ao ouvido, no acompanhar dos acordes. A canção de Coimbra ensinada pela primeira vez aos caloiros. As nossas capas como a nossa primeira pele, o reconhecimento que vemos nos olhos dos que vivem estes dias ao nosso lado.

Foste tu que me ensinaste a viver dos outros e não de mim. E eu esgotei-me e aprendi contigo quanto vale um amigo. Do amor tirámos a nossa primeira lição de vida. De Coimbra a saudade de tudo o resto para lá de nós próprios. As pessoas surpreendem-nos, mas o amor já não. O amor repete-se a um filme francês sobre a infelicidade de me chamar Beatriz.

Falei de mais na noite em que tudo podia acontecer e nos momentos mais críticos certifiquei-me que era para ti que o que o tempo me arrastava. Choveu-nos em cima e nós brindámos à incoerência das nossas escolhas. Fui, afinal de contas, importante por um dia, indispensável por uma noite. Hoje, tudo isso foram miragens que a própria conta do vinho escondeu e eu olho e dou conta que não podia ser esta a vida que eu sempre quis. Convenceste-me, quase sem dares por isso, que o mundo poderia até ser um lugar melhor. Mas os meus melhores lugares nunca duraram para sempre. Agora sei, de fonte segura, que Coimbra não nos garante coisa nenhuma, apenas e talvez as melhores memórias da nossa vida, apenas e talvez os únicos amigos que alguma vez tivemos.
It's a small crime, And I've got no excuse...

1 comentário:

Maria Mi disse...

leio o teu blog desde 2007...
não te sei dizer o que me fazes sentir...
é demasiado para conseguir exprimir por palavras, não tenho o teu dom.
beijo enorme