28/07/2008

Cartas de Lisboa II




Love is not a victory march.
It’s a cold and it’s a broken Hallelujah.
(L.Cohen)


Decerto concordas. O amor não será mais do que o alinhamento da minha vida com a tua, neste pedaço de tempo e de chão. Temporariamente propício. Até porque seria preciso muito mais do que me teres à tua cabeceira, com os teus fios de cabelo entre os meus dedos das mãos. Até porque um dia, hoje mesmo talvez, tu vens e dizes que o amor não é suficiente e que por isso temos de o descartar e deixar ir embora. E eu devo aceitar, rever o meu tempo perdido e as minhas forças perdidas, seguir com a minha vida e, da noite para o dia, aprender a viver com isso.
E depois revejo-me, à tua cabeceira, com os teus fios de cabelo entre os meus dedos das mãos. E vou lembrar que não houve retorno. Vou lembrar que dar sem receber é para os tontos. E eu não sou assim. Mas hei-de lembrar-me sempre que não houve retorno. Não houve retorno, nem há. E por isso, às vezes, apetece-me também a mim descobrir que o amor não é suficiente. Tal uma troca em que o prejuízo não compensa, por mais gosto que se tenha no que se faz. E eu nem isso tenho.
Tenho muita pena que tenha de ser assim. Mas depois olho e percebo que haverá sempre alguém na eminência de se ir embora. E do outro lado, uma segunda metada que sobrará sempre no destino das próprias escolhas. Eu fico e tu vais. Por sistema. E às vezes eu só queria ter amor próprio para te deixar. Para te provar que em esquina alguma encontras mulher que te ame tanto, por tão pouco. Ou talvez me contentasse se lutasses para me teres à tua cabeceira. Se para ti as coisas não fossem assim, tão conformadamente fáceis. Se as coisas para ti não fossem certas – porque, se olhares bem, coisa alguma é certa, muito menos para ti.
Eficazmente, nada disto importa. Toda a tua vida será uma corda bamba, e a minha também. Faz o que tens fazer, dir-te-ei. Faz o que tens a fazer, todos os dias da tua vida, até ao dia em que te fores embora de vez. E depois disso, talvez nada mais aconteça.

10/07/2008

Cartas de Coimbra XIV



É a simplicidade e linearidade desta música que me falam todos os dias de ti. A vontade a queimar a impotência de não podermos voltar atrás. A solidão que sentimos quando o nosso quarto ficou vazio outra vez. As mãos que nos tremeram quando aquele abraço não aconteceu.
As flores. As flores que murcharam, não importa o que tentámos fazer por elas. O sistema de promessas que guardámos no fundo do bolso das calças. As palavras atiradas. As palavras que não ouvimos, as que não dissemos. O som do piano. O dedilhar de um teclado de um computador. De um computador num sítio qualquer onde reunimos o que sobrou de nós. O vento, as conversas alheias que nos chegam entre os transtornos da vida dos outros. As pessoas infelizes a partilharem connosco o comboio. Quem queriamos ter sido e não queremos mais. O destino das cartas de amor que escreveste mas que nunca enviaste. Ou que enviaste e pediste de volta. Tudo, meu amor, tudo... Tudo o que te acontece e me acontece a mim também, e que me leva de volta ao dia em que tudo o que tinha caiu ao chão. Ao dia em que dormir custou menos, acordar custou mais. Porque tudo é fácil quando, vendo bem, não é assim tão importante. Quando, vendo melhor, só custa se alguma vez acreditares que vai durar para sempre. Ou que vai durar tempo suficiente para que no próximo Natal ainda lá estejas – como prometeste que estarias e não estiveste. Mas sim, só custa se for realmente importante. E hoje só preciso de acreditar que sempre que te procurar, te vou encontrar. Te vou encontrar a tocar para mim, na volta dos acordes que nem tu sabes, mas que nos sonhos existem. Mas que apenas nos sonhos existem.

04/07/2008

Cartas de Coimbra XIII


Às vezes parece que é só uma questão de tempo. Eu pensei que estava a fazer as coisas bem, mas tu vens e dizes que não, que nós nunca mudámos. Que nós nunca crescemos. Que nós ficámos apenas dependurados na verdade insastifeita sobre o que nunca seríamos. Nesta forma de estar, compassada com a música, retardada com os dias em que eu não voltei nem hei-de voltar. Com os dias em que eu não hei-de voltar porque preciso que estes deixem de ser os melhores dias da nossa vida.

E depois... depois, aqui a vida parou. Aqui, sem que seja preciso que nos digam seja o que for, tornámo-nos cumplíces de gente como nós. De gente que se traiu e que quer confiar outra vez. De gente que não quer ter de ser feliz outra vez, que tropeçou na prórpia vida vezes sem conta, que precisou de um abraço mais do que qualquer outra coisa na vida. E nós, nós estávamos lá a precisar do mesmo abraço, do mesmo abraço descomprometido. E nós estávamos lá, à espera do mesmo sorriso molhado das mesmas mágoas. À espera da mesma meia metade que quisemos ser um para o outro.
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Mas tu vens e dizes que não. E num estalar de dedos, tudo desaparece. A cumplicidade, a nossa nudez completa entrelaçada na vontade que partilhámos para que tudo fosse assim para sempre. E com a manhã a nascer nas nossas janelas, morre tudo com a calma com que encaro a falta que me fazes.

E hoje, hoje faço planos de me ir embora, de me acostumar à impessoalidade que preciso do mundo. De me acostumar a uma vida de contratos: sujeitar-me a troco de dias fáceis. E quando for, meu amor... quando for, farei de conta que deixo para trás apenas quatro paredes e uma última carta de amor na tua almofada. Farei de conta que os melhores dias da nossa vida nunca aconteceram. E que, no fim de contas, nós mudámos e nós crescemos e nós decidimos que seria tudo uma questão do tempo. E então eu decidi também que me devia ir embora.