16/09/2009

Cartas de Coimbra XXXI

Renewed preface by ~SayinBayan
Tento sentir as pessoas o mais que posso. Devo-te isso. Fazer da vida uma novidade, acomodar-me a novas arestas, preencher-me com outras formas de amor. Seguir em frente, no sentido em que todas as promessas se fecham e se apagam pela última vez. Sou feita de material diferente do teu e já não me importo. Um dia amaste-me mesmo assim. Apesar dos olhos húmidos, dos lábios salgados, do corpo estendido. Foi talvez a melhor lição de humanidade que podia ter tido. A desforra que Deus deu às mulheres por se darem assim. E na volta, cabe-me também a mim jogar aos dados com a própria sorte e escolher acordar num outro dia.
Fui ao fim do espaço e voltei. Deixei-te para trás, carregando-te comigo todos os dias nos sítios que mais doem. É assim todos os dias. O viver sem ti, sem que de facto te vás embora. Estás em todo lado. Nas minhas manhãs e nas minhas noites. O teu cheiro finalmente saiu mas ficou o teu tacto. O teu vazio. O teu medo. Há muito tempo que não importo e leio sozinha estas cartas. Um dia hei-de escrever a última e isso consola-me. Fui capaz de coisas do tamanho do mundo, mas isso não chegou. Fui capaz de coisas que ultrapassaram os teus sonhos, mas talvez nunca te apercebas disso. Não é uma história de amor, mas é a minha história e todas as minhas reticências. Não é um livro mas são as minhas cartas. A minha vida trocada por miúdos. Os meus porquês. Todos os meus segredos e tudo aquilo que me pedes para ter vergonha, mas eu não consigo. Tento sentir as pessoas o mais que posso. Devo-te isso. Deves-me também tu a mim.

10/09/2009

Cartas de Lisboa IX


Resumir o significado das coisas será sempre impossível, porque disso dependem as vezes que nos partiram ao meio, nos tiraram a virgindade às ideias, nos proibiram de ser completos. Não temos coragem de produzir mudança, não achamos bem desistir do que nos custou tanto a tornar firme. Somos nós que estamos em causa, no fim de contas. É tudo aquilo que aparentemente nos mantém à tona. Olho para trás e frequentemente tenho vontade de me ter mantido naive, uma eterna virgem sem pressa ou desilusões. Talvez assim o tempo passasse mais devagar. Talvez assim a distância entre nós e o chão fosse mais curta. Porque tudo é afinal uma questão de medo, se nos vamos ou não aguentar, se vamos ou não voltar a ser felizes.
Sei exactamente o que está certo, só não entendo porque tenho de o fazer. Não é de mim dobrar a própria vida em quatro e seguir em frente. Não é de mim ter coragem para devolver o respeito e a dignidade ao meu mundo. Não é de mim querer ficar sem ti. Ficar sozinha.