15/10/2011

Cartas de Lisboa XIV

Desço na estação de comboios e as caras que me esperam parecem comiseradas pelo medo, ansiedade e secreto desespero face a tudo isto. Sentimo-nos um país esquecido por Deus. Falamos em luta, falamos em guerra aberta sem trincheiras nem sangue, falamos em tempos de mudança que nos rasgam e nos levam para sempre a felicidade pachorrenta de que sempre fomos feitos.

A televisão mortifica-me. Sinto o tremor que nos chega aos ossos ficar mais audível. Os problemas somam-se e ficámos todos sem tempo para nos apaixonarmos. O que vamos nós fazer. Para onde vamos nós fugir. Eu já tentei ir e não voltar, mas os muros vêm sempre atrás de nós. Preciso de um pouco de fé. De alegria imprudente e simples, da franca ignorância de quem viverá feliz sem subsídio de férias. E os problemas somam-se e já não é apenas economia, já não são apenas carteiras vazias, não apenas a fria e inegável ausência de alternativas. É a depressão de ricos e pobres, as vidas vazias que levamos de empurrão no passar sistemático das semanas, a injecção de responsabilidade e a fatalidade de sentir que, no final de mais um mês, não respiras, mas vês tudo ruir, tudo falhar.

Tenho a vida suspensa por dois fios de nylon. 1000 euros e uma vergonha imensa de me perder onde ninguém se perde, já nem sei se por culpa minha se por erro burocrático. Não sei onde estarei em 48 horas. Quero dormir sem pesadelos. Quero acordar com soluções. Portugal mete-me medo e eu sinto-me trancada aqui dentro porque não tenho dinheiro, porque sou portuguesa e porque não sou competente.

Escrever foi um vício de que abdiquei. Já não sei o que é certo, o que é errado e o que são lapsos de sorte. A autonomia de uma vida adulta causa-me vertigens e dou por mim deitada em demasiados planos que me façam fugir de tudo isto. Eu juro que tentei fazer as coisas bem. Eu juro que tentei ser melhor. Porque é que correu mal?

01/10/2011

Cartas de Lisboa XIII


jour de pluie. by ~moumine

As coisas ficam estranhas quando no balanço do teu regresso a casa (?) o teu coração parou, tornaste-te uma jornalista nas horas vagas, os teus amigos viraram-te as costas por seres empática demais e as tuas redes sociais estão em francês. Estás outra vez de partida, tens francamente demasiados projectos que não partilhas com ninguém e há mais estrangeiros que te abraçam na rua do que as boas memórias que te ficaram de Portugal.

As coisas ficam estranhas quando, no balanço de um regresso ao passado, os problemas repetem-se, tu ficas doente e a vida parece feita de últimos fôlegos que não queres perder – porque parar é morrer e tudo o resto na tua vida há muito que não respira.

Sabes que as coisas se tornaram estranhas quando os homens da tua vida te usaram e que tu os usaste e que não és capaz de acreditar em coisa nenhuma porque o homem que tu querias é feito de horizontes fechados, gosta de meninas magrinhas e tontas, e tudo isto se tornou num lugar-comum, como quando ambos tinhamos 15 anos. E tu tens a certeza que és no mínimo um 8 na cama.

Sabes, enfim, que não há milagres. És mais bonita nas vidas temporárias dos outros, do que alguma vez serás aos olhos do teu melhor amigo. Levantas-te todos os dias decidida a criar um fosso entre ti e o mundo, para que possas finalmente acordar sem nada a perder. Os sonhos já não são sonhos, mas caprichos, porque cresceste com moderação e hoje tens o que nunca foi teu por direito. Criaste a ilusão que caminhas sobre nuvens, não há fronteiras para os sorrisos e que há mais bondade e amor na distância entre ti e os homens do que alguma vez haverá entre ti e a Medicina. Ainda assim, queres fazê-lo à tua maneira porque de outra maneira o mundo não é mundo e o mundo não vale a pena. Repetes, no desespero da auto-manipulação, que riste já demasiadas vezes para que o chorar do resto da tua vida seja um problema.