30/11/2006


Sim, eu sei. O homem e a hora como um só. O repensar, o redefinir. O repetir tantas formas estranhas de um só sonho; de um sonho cor de azul, delineado a lápis de cera cor de sol e de lua, onde cabem todas as formas estranhas de desejo e vontade. Mas também tantas coisas que não estão certas, e que se adiam constantemente por motivos de força maior. E te concebem triste, só; tal um mistério, um raiar ofuscante de emoções que ninguém conhece, que ninguém entende, que todos ignoram. Um secreto vínculo com uma forma de amar ultrapassada pelo tempo, crescendo entre o silêncio frio do que dizes e a voz indistinta do teu eco.
E num mundo onde tudo se convenciona como conexo de tantas metamorfoses, só tu cabes, só tu sonhas, só tu és. A verdade redonda do balançar das ondas chamando-me baixinho em cada gesto, em cada olhar. O mar que soa por detrás das palavras crespas, como um só mar que se despede da tua ideia a oscilar por entre os dias… um mar que foi ficando; e envelhecendo. Secando-se no nosso olhar salgado olhando-o pela primeira vez. E repetindo. Repetindo sempre os pregões de amor que abandonámos à porta.E tu… tu dizes, hoje e sempre, que sorrirás perpetuamente, em cada ocasião que te acenem de longe. E eu… eu talvez ainda procure o mesmo mar, talvez ainda aguarde os mesmo sinos, as mesmas formas estranhas de um só sonho, chamando-me a um desígnio que, hoje ainda, tenciono encontrar. E hoje ainda, o sonho será só um, em todas as suas formas e caminhos; em um só Deus, numa só Fé, num só mar. Até onde as palavras o possam levar. Até onde as palavras me levem a mim.

29/11/2006

Alcains
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"Now I think I know what you tried to say to me
How you suffered for you sanity
How you tried to set them free
They would not listen they're not listening still.
Perhaps they never will."
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(Vincent (Starry Starry Night), Don McLean)

27/11/2006

Flowers of the Universe

by Brenda Wilbert

Eu acredito que sim. Que, um dia, o Mundo foi plano, e que os homens caminharam para lá da dimensão da sua realidade, rompendo com os presságios da sua própria Sorte, balouçando como velas soltas, faiscando de encontro à tempestade, construindo impérios de entendimento e de sonho, tão maiores que tu, tão maiores que eu, tão maiores que tudo: oceano, Terra ou Distância.
E acredito que o Universo resiste sempre na virtude de um único Deus, de um Amor incondicional e contemplativo, desenhado numa plataforma onde não existem perguntas mas certezas. E acredito que, mais dia menos dia, não pensarei mais em fazer voar pombas brancas de uma cartola, ou em acertar com o refúgio das palavras redondas que ficariam bem quando ditas na hora H. Acredito que a minha vida será independente dos planetas a girar sobre si e das palavras a moverem-se em elipses perfeitas. Vigiarei num lugar pequeno mas quente – onde?, não sei ainda, mas quando souber, talvez te o diga. E ficar-me-ei pelas crenças indisponíveis a sumirem-se no quotidiano de tantas almas paralelas. E pelas palavras compridas, pelo diâmetro das cores quando tingidas de forma, pelos ideais messiânicos que prometem todos os dias um novo futuro. E então tudo será medido em perspectiva, nunca segundo verdades absolutas, sempre conforme o tempo e o espaço, de hoje e de ontem.

26/11/2006

Glasgow

Glasgow Comission

Sinto que entendes que a virtude nunca espera sozinha numa qualquer esquina do pensamento. E que com ela existem letras e letras, encafuadas em vãos de escada, onde o tempo se esqueceu de avançar; onde afinal a consumação de todas elas não foi mais do que um rabisco em papel; onde a vida, hoje e novamente, lhes parece todos os dias adiada.
Aquela imagem que vês adiante é como me imaginava ainda agora. Não sei se era eu que te dava a minha mão, se eras tu que me davas a tua. O que vejo afinal é apenas a tonalidade das cores a descair-se dos cantos; o rubor de tantas sensações com as quais me podia encaixar naquele quadro. Falo talvez com uma voz que não devia ser minha, porque sou demasiado nova. Ou talvez finja uma voz porque não consigo descortinar o timbre da minha, nem o significado das coisas que diz. Também a mim um simples sim não chegaria para te dizer que nem tudo vai bem, como já dizia a escritora. E que o temperamento das luzes que hoje se acendem é suficiente para prolongar, uma e outra vez, a persistência de tantas letras encafuadas em vãos de escada.
E existem tantas formas mais simples de dizer que gosto de ti. E tantas redundâncias que aproximam e afastam as palavras de uma realidade feita à minha escala. Deve ter sido por isso que escolhi esta imagem, ainda antes de saber sobre o que ia escrever. Porque um tema, às vezes, faz-me olhar o papel vazio como um espelho demasiado fiel a mim própria. E eu isso não quero: descobrir que apesar das tonalidades vibrantes das cores, sou transparente, e tentada a ficar vazia, da palidez da folha de papel, da textura de um rol de intenções que não conseguem sequer ser ideias.

23/11/2006

Red Woman Red Umbrella

Sei que sim. Que o universo das coisas é demasiado grande para me inteirar de todo ele. Que o vagar dos dias às vezes pesa muito mais que a pressa de o encontrar. E que quando o encontro, registo palavras que chegam por ecos até onde nunca pensei que coisa alguma conseguisse chegar.
Abri o guarda-chuva novamente. Mesmo sem chover, far-me-ia lembrar que ainda é Novembro, não ainda tempo de celebrar o aniversário de coisa alguma. E enquanto é Novembro, também o tempo de me encostar ao recorte justo das avenidas se perde. Ficam sensações estranhas. Um remar incontornável, que nem contra a corrente consegue ser, porque se rejeitaram todas as filosofias. É um remar parado, sobre o qual não se vê mais ninguém, sequer uma indicação a dizer “final da viagem” ou “estação de serviço”. E enfim não entendo se disse de mais ou de menos. Se hoje ainda faria diferença tentar remendar algo feito, sem saber bem por onde devesse começar. Pois hoje sei apenas que o universo das coisas é demasiado grande. E que se disse sim, não sei até que ponto a única alternativa teria sido apenas um “não”. Pois no vagar que os dias têm de entre toda essa pressa que levam, tudo pesa muito mais. Tudo nos vem de repente à memória, questionando cada escolha, cada caminho, cada meta.

18/11/2006

Home Fields

Home fields

Foi há muito, muito tempo; num cantinho escondido do recuar das recordações. Lembro-me que havia um caminho, e no horizonte o esboço de uma estação de comboios. Lembro-me que estava sozinha. E que atirava pedras para charcos parados onde a vida, onde o ritmo e o tacto da vida haviam há muito parado. Como afinal tudo o resto. E naquele dia acho que soube que parar não seria morrer, mas esperar pelo resto dos dias, sem se ter sequer ansiedade; esperar por um nada, onde nada se acomete, onde nada se sucede, em virtude da força, do peso e da saúde da idade da minha avó.
E eu ali estava. Talvez sem saber da responsabilidade implicada no sonhos. Com tantos Verões ainda pela frente, sem saber no fundo o que fazer com todos eles.
Naquelas tardes, perdíamos a reacção. Pelo menos, eu perdia. E hoje ainda, quando os sinos tocam, vejo que perdi muitos anos. E que durante todos esses anos, deixei de subir às árvores. E de conhecer outros caminhos. Deixei que, Verão após Verão, Inverno após Inverno, eu crescesse, em vez de rumar a uma terra chamada Nunca, onde nunca, por nunca mesmo!, nos obrigam a crescer. Onde nunca existem romãs demasiado verdes ou pedaços de bolo que engordam. Onde não existem sequer sonhos impossíveis. Onde só existe aquela imensidão de searas, recortadas pelo aroma de uma infância que, parecendo que não, ainda persiste. Onde tudo seria simples e saberia a cerejas. E teria o gosto de uma história. De uma história que aconteceu há muito, muito tempo. Num cantinho escondido da memória.

16/11/2006

"Fog in the City"



Às vezes pareces ser suficiente. E condensar assim o destino de aguarela que pareci escolher. Vivo à sombra do nevoeiro, dirias tu, com os olhos encostados ao vidro embaciado dos táxis. E de repente, consigo encontrar-te num qualquer semáforo fechado, tal uma promessa de chuva em que os meus sonhos estagnaram. Como se isso fosse possível, dirias também. E roubar-me-ias aos poucos a razão de ser; o desassossego; a voz de uma escrita que não consegue ser sequer raiva, sequer medo. Uma voz palpitante que não chega a tanto, que emudeceu com um outro qualquer passado, com outro qualquer destino. E eu escolhi-te logo a ti, a ti que acreditas na transmutação dos universos paralelos, que não consentes em planos feitos de papel para uma existência, sempre, sempre em atraso. Logo a ti e, talvez quem sabe?, também àquele instante final antes dos semáforos abrirem, antes do recomeço lento da vida embrulhada em desordem e ideais de progresso. Mesmo antes do meu táxi chegar uma vez mais ao destino. E de o vento recomeçar uma nova e tristonha contagem sobre o direito a se sentir escutado.
E eu… eu escolhi-te logo a ti. E dizem que não me compete saber porquê.

13/11/2006



Saberei sempre quão longe consigo estar. Tal a roleta de uma vida que aponta o decurso aleatório dos dias da forma mais simples. Confio que perto, demasiado perto, existirão sempre respostas. E que no intervalo das horas, dessas horas inclusas no tempo da minha, da nossa história, existirão sempre novos prenúncios, sempre novas vontades.
E depois – tu sabes –, sobrevoou na medida dos dias, o destino que construí de uma hipótese. Faço dele a implacabilidade de uma certeza; e depois, no imediato que procede a vontade, sou afinal, aos teus olhos, apenas mais uma, confiante em tiros no escuro. Eu por cá, achar-me-ei sempre entregue de alma nos objectos de culto, nas forças magnéticas das paixões servis, nos espaços em que os poetas escondem os Verões e os formatos de amor que ficaram por revelar.
Pode ser que um dia acorde com o destino traçado. E que, então, as decisões se adiem indefinidamente, e que decorram sem consequências, sem pressa, sem rubor. Que fujam numa inútil procura de um ponto no tempo em que seja segredo o vem a seguir. Em que, de mão em mão, se sucedam memórias, mas nunca futuros.

12/11/2006

"Viva Forever"

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«Back where I belong now, was it just a dream,
Feelings unfold, they will never be sold, and the secret's safe with me.»

07/11/2006


Pressinto que a passividade dos dias mudou. O ritmo das horas, as viagens de comboio, a importância das gotas de chuva acumulando-se na consciência. Que tudo isso mudou. E a nostalgia. A nostalgia guardada para os momentos em que a mereço. O rancor, com quem tantas vezes me deitei, usado como se usam medalhas, como se ostentam conquistas, conquistas que tiveram afinal o fim sempre tão obvio, sempre tão perto.
Desculpa se falo sempre do mesmo. Desculpa se não sou como tu. Às vezes lembro-me que não falo para ti e ignoro que possas acreditar que sou apenas isto. Mas o que sobra por dizer, por mais que diga, é sempre tanto: às vezes ideia soltas, ideias soltas no espaço livre do pensamento; às vezes apenas folhas, e semblantes, e sensações: rasgadas à pressa ou por engano do toque morno das tuas mãos.
Às vezes um nada, que não consegue ser em palavras apenas nada. Às vezes o frio, e não apenas o frio, mas o frio que sinto para lá da pele, e, de pele em pele, um frio que persiste à passividade dos dias e aos encontros furtivos dos meus olhos com o vácuo. Às vezes só o ritmo da chuva: o calor, a quietude da protecção dos lençóis, acomodada longe de tudo, especialmente da noite. Às vezes, tanta coisa que não deves saber por mim. Que talvez já saibas. Que talvez tenhas sempre sabido.

06/11/2006

6 de Novembro, 2006


«Apesar de ser um ateu convicto, é arrebatado de surpresa por momentos de extraordinária exaltação. Fora de nós não existe nada a não ser estados de espírito, pensa ele; um desejo de consolo, de conforto, de qualquer coisa melhor do que esses débeis pigmeus, do que esses fracos, esses feios e cobardes seres humanos. Mas se conseguimos conceber tais figuras, então é porque elas existem, de certo modo, pensa ele; e avançando pelo trilho, como os olhos postos no céu e nas ramagens, logo lhes atribui uma forma feminina; observa o decoro e majestade que assumem, e como distribuem, agitadas pela brisa, num sombrio mover das folhas (…).
São essas as visões que ao viajante solitário oferecem grandes cornucópias de frutos, ou que lhes murmuram canções, como sereias cavalgando as verdes ondas (…)
Tais são as visões que flutuam, incessantes, ladeando as coisas, interpondo o seu rosto entre nós e o real; visões que amiúde dominam o viajante solitário, fazendo-o perder o sentido da terra, o desejo de voltar, e concedendo-lhe em troca uma paz absoluta; como se (pensa ele […]) toda aquela febre de viver fosse a própria simplicidade (…)»
Mrs. Dolloway, Verginia Woolf