22/01/2010

Cartas de Coimbra XXXIX

maybe by ~koffk
23h00. Tenho a casa vazia, a sensação de que me falta tudo, que um mundo melhor ficou lá fora quando eu resolvi fugir para aqui. Ando de trás para a frente à procura de um interruptor que mude o curso dos dias, à procura de vida nas divisões fechadas à chave. Não sei para onde foram as pessoas que foram embora. Não sei para onde foram as pessoas que foram embora sem mim.
02h00. Viajo de lugar em lugar. A internet é um mundo demasiado extenso onde cabem todas os vícios que eu poderia ter. É fatal. Já vi todas as fotos que tirámos juntos, já li o blog inteiro, já ouvi todas as músicas que me poderiam magoar, já remoí todas as memórias más. Estou entre a parede e a inércia. Bloqueada no meu próprio cemitério, onde se encaixotaram os fantasmas, as perseguições, os medos.
03h00. A certa altura, nesta noite que aparentemente nunca vai acabar, acabei por adormecer. De olhos inchados, boca seca, cabeça dormente. Só quero não acordar nunca mais. Não sei o que se passa. Os meus sonhos já não são corridas contra o tempo, mas causas perdidas. Mas consequências daquelas noites impetuosas em que tudo se podia dizer e de repente eramos reféns dos nossos instantes de tristeza.
08h30. Acordei e adormeci novamente. Seria fácil dar um empurrão à própria vida, dizem. Bastaria talvez ter deixado o despertador tocar até ser forçada a seguir em frente. Quem me dera perceber onde tudo isto me leva e parar a tempo. Quem me dera perceber de onde veio isto tudo. Quero continuar a dormir.

10/01/2010

Cartas de Coimbra XXXVIII

The calm before the storm by ~Ninruz


Durmo devagar porque preciso de toda a paz para ver a vida em retrospectiva, sem que isso me pare. É o medo de que todos falam, a desconfiança que nos forra o coração, a desventura de acreditar em coisas reais, que moram na porta ao lado e nos tiram o prazer de quase tudo. Os empurrões das multidões deixam-me quase sempre indisponível para estar bem. Já esgotei todas as caras com que podia fingir, já usei todas as frases de conveniência. Do outro lado da estrada, sinto o frio de um mundo que nasceu da nossa arrogância e principalmente do nosso desespero. Não foi isto que eu escolhi para mim. Não foi isto que eu desejei a ninguém.
Na última noite do ano, não contei as doze badaladas, bebi o meu e o teu champanhe, chorei e disse o que não sentia. Tive a certeza que ires embora será, um dia, a coisa mais anti-natural que me poderão fazer. Mas acabarei por me habituar à ideia.
À meia noite estavas lá tu, e a chuva, e o barulho, e o frio. Estavam as coisas irrelevantes, a cidade e a nossa própria estupidez. Demos por nós a tropeçar nos lugares onde nunca quisemos voltar. A desafiar o tempo, a fragilidade dos nossos momentos, as promessas que não podemos nem devemos cumprir. O que eu não sei, dificilmente me magoará e por isso fazemos de conta que a eternidade nos cabe nas mãos cada vez que trocamos novamente um primeiro beijo. Já não sou capaz de mentir, nem de tornar as coisas mais fáceis. Tocar-te já não me queima apenas por fora. Quero a parte de ti que não tens para dar. A tua fé, a tua tranquilidade. No fundo, não é que isso tenha importância, porque não tem. Um dia deixo-te e deixo-te exactamente porque te amo. Nas entre-linhas, é isso que me pedes e eu escuto o que tu dizes, mesmo que não pareça. Eu só queria um lugar onde não houvessem batalhas, nem abismos, nem tempestades. E gostava que esse lugar fosses tu. Mas acabarei por me habituar à ideia.