30/04/2007

"In My Place"


E hoje sei o que somos. Sem afinal motivo para voarmos. Não de mãos dadas. Seria um sonho que não queremos tornar real. A vontade ao serviço das circunstâncias, a teia mágica dos destinos a quererem tecer-se sozinhos, a engendrar e a partilhar uma intriga onde não existem personagens nem sentimento que justifiquem as perdas.
Somos amigos. O que mais podíamos ser? E ninguém deveria partilhar dessa realidade senão nós. Mas eu digo a todos, e digo ao mundo em redor, que somos amigos, que somos dois adolescentes a saltar barreiras de uma vida demasiado simples para ser simples. Interessa-me que durmas apoiado no meu ombro ou que me deixes dormir no teu. Não quero um beijo teu, mas um abraço. Interessa-me acordar e ver os teus olhos poisados nos meus, duas mãos dadas debaixo dos cobertores a respirar o mesmo calor… sem que nada mais nos apeteça.
Uma espera… é disso que a música fala, não é? Ou melhor, é disso que a música nos fala, quando estamos juntos. Do encaixe perfeito que os nossos sorrisos têm quando confirmamos que as almas gémeas não existem, nem se esperarmos uma eternidade inteira por elas. Somos duas peças nada simétricas que se encaixam. Ou pelo menos hoje acreditamos que sim. Amanhã, quem sabe? Talvez voltemos costas um ao outro e sigamos caminhos perpendiculares demais para se voltarem a unir. Ou pudemos vir a ser duas linhas curvas que se afastam e se aproximam quando o coração assim entende. Como se o coração entendesse coisa alguma! Não entende, mas nós, em código, fingimos que sim. Luxos que a amizade tem, mas que as paixões não permitem. Adoro esta música, quase tanto como fazer as pazes contigo e não esperar de ti mais do que o que me dás.
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.I was scared, I was scared
Tired and under prepared
But I waited for it
If you go, if you go
Then Leave me down here on my own
Then I'll wait for you...

27/04/2007



Sou a cor púrpura que te enche os olhos e a boca. Sei que sou. E pinto os teus dias como quem sorri ao sol de olhos fechados e é feliz por poder estar aqui. Sou o tudo que te preenche e te esvazia. Sou a música que sincroniza os teus passos com os meus e que te trás para perto. Sou o teu tudo, o meu próprio chão, o convergir despercebido das mãos, uma para a outra, um autocarro que nos leva para longe, abraçados num pôr-do-sol, mais brilhante que tudo e tão perfeito como quase nada. E o longe é o nosso destino, conjuntamente com o nunca mais… Estamos quase a chegar, mas faltará sempre o quase. Vamos de mãos dadas rumo a um destino final. Tu achas que eu sei onde fica a felicidade. E eu espero que tu saibas também. Será talvez na próxima paragem. Tu me dirás e eu te direi. Sentir-nos-emos, provavelmente, irremediavelmente felizes e as utopias deixarão de ser utopias para serem rotinas. Isto para te dizer que ainda acredito ser possível ter amor de sobra. E se digo Amor, não me chegaria apenas Amor. E se digo amor, falo das regalias de nos tocarmos e sentirmos num olhar apenas. Como se isso chegasse. E se falo de amor, falo de dádivas que acontecem todos os dias, de chuva e de vento que toldam o nosso mundo ocasionalmente. Falo de um equilíbrio que nos enche e reforça com esta estranha espécie de amor tão neutro e fácil. E se digo amor, falo, afinal, e sem rodeios, de ti. De ti a aproximares-te num horizonte de onde me mostras a vantagem de não seres meu, mas eu ser tua. Mesmo assim, deixas-me acreditar que és o meu lugar, o meu regaço, o meu abraço. Com a ternura das coisas simples, sem metáfora alguma que sustente a imensidão de sensações que tu susténs. Este lugar é perfeito assim, uma constante mudança de luz, de perdas e de ganhos, mas sempre o teu abraço, sempre a tua voz, sempre o extenso capricho de querermos fugir um do outro, mas Deus não deixar – porque para mim as coisas boas vêm de Deus. E se hoje não estás por perto, é porque estou acordada. Teremos a vida toda para sonhar.

24/04/2007

Digam lá o que os blogs disserem...



Sinto a tua vida a invadir a minha. Como se por mais que fugíssemos, mais os acasos falassem em nosso favor. Os acasos que ambos perseguimos mas que ninguém pode dar conta. Os sonhos que nos acordam, as palavras francas que nos apetecem mas que hoje, uma vez mais, vão ter de ficar para amanhã. As músicas que definem esperas, os entretantos e os silêncios, o vazio latejante das emoções sem espaço. O que queremos e perseguimos, o romper das manhãs e das noites para que tu sejas constante em mim e eu em ti. Os sorrisos pendurados, os abraços prometidos, os dias que contamos para que haja tempo… um dia. Por enquanto, no lugar do sonho, dorme uma hipótese. E uma esperança. Mas também a eterna e magoada razão, pedindo calma, pedindo luz, pedindo indiferença. Porque (tu sabes) da indiferença não nasce o sentimento. E sem sentimento, não haverá mágoa. E eu não terei de perder altura, porque terei subido apenas o que me foi legítimo subir. Lembra-te que não posso voar, digam lá o que blogs disserem. Fui feita para andar a direito, sem inversões de marcha. E a música vai ao ritmo que tu querias que eu fosse. Azar o teu. Eu vou muito mais a frente. Não te esqueças que faz muito tempo que fugimos um do outro e a distância que levamos, agora que queremos estar juntos, é demasiada para que eu recue. E não é de mim recuar. Nem de ti fazeres um esforço para me alcançares. Por isso eu prezo tanto a indiferença. A jaula disfarçada dos leões cuja responsabilidade é defender-se dos próprios erros. E o meu erro maior és tu. Tu e a tua tamanha vontade de seres tu próprio. Os meus medos? Esses hoje resumem-se a um só: o de chegarmos a um ponto sem retorno, onde eu lamente o que nos aconteceu, mas tu não. Porque foste mais capaz da indiferença que eu, e a inveja é uma coisa fodida. Prometo-te que farei o possível para continuar a fugir, mesmo que inadvertidamente me peças que não o faça. Um dia vamo-nos rir de tudo isto mas hoje não é esse dia.

23/04/2007

"70x7"

Então cá vai... Do fantástico e abismante universo da magia, chega-nos um desafio de 7 vaidades, 7 calcanhares de Aquiles e 7 bons motivos para se ser do feminino, entre outros 7's que dão que pensar (ai se dão!)... Take a look :)
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7 Coisas que faço bem
1 – Ouvir em silêncio
2 – Perdoar
3 – Fixar nomes, caras e números de telefone
4 - Gestão do tempo
5 – Discutir
6 – Textos expositivo-argumentativos
7 - Equações do 2.º grau =D


7 Coisas que não faço bem
1 - Remates em salto
2 – Gestão de dinheiro
3 - Fixar os nomes dos realizadores dos filmes que vejo

4 – Contar piadas
5 – Ignorar a autoridade
6 – Fixar matrículas de carros
7 – Enquadrar-me em grupos grandes de pessoas


7 Coisas interessantes no sexo oposto
1 - Sentido humanista e bondoso
2 - Boa capacidade argumentativa

3 – Auto-estima ligeiramente excessiva :P
4 – Capacidade e gosto na diferença, independência de um grupo
5 – Um grande e poderosíssimo sentido de humor
6 – Mistério q.b.
7 – Parecenças com o meu pai :D
(what a man!) lol

7 Coisas que digo frequentemente
1 - Já vou!!!!
2 - Que dia é hoje?
3 – ’Tás a falar a sério??

4 – Bolas, pa!
5,6,7 – (agora que penso nisso… acho que passo mais tempo calada que a exprimir-me em frases rotas de serem usadas… O que é bom ,certo? Não haver rotina nos diálogos :) …)


7 Actores/Actrizes Preferidas
1 – Pedro Pinto “Thales” =D
2 – Johnny Depp
3 – Nicole Kidman

4 – Meryl Streep
5 – Leonardo DiCaprio
6 – Juliane Moore
7 – Robbie Williams


7 Próximos Contemplados

21/04/2007

Soho Café



Ela está à porta, encostada ao betão, a ver a chuva cair. Está de costas: para ele e para o mundo. Vê-la ali parece não significar coisa alguma. Razões que a própria Razão desconhece levam muitas vezes as almas incapazes para sítios estranhos, para se perderem com a chuva e se encontrarem com as lágrimas. E se assim é, não será ele que lhe vai levar o abraço que ela diz precisar. Que ela diz precisar com a voz seca e calma. Com o rosto voltado e as mãos frias. Chove cada vez mais. Ela quer fugir, mas, mais que tudo, quer o abraço que ele lhe deve. Quer a devoção dos amores intelectuais. Quê-lo a ele e ao mundo dele. E que o mundo dele a queira a ela.
Ela sabe que ele está mesmo atrás de si, mas não fala. A respiração dele voa-lhe entre os dois hemisférios da mente e entre as mãos. Ela precisa desse abraço. Mas ele não tem coragem. Talvez também ele precisasse de um abraço, pensa. Mas não um abraço dela, um abraço do mundo, das festas, das eternas e sonâmbulas festas que o mundo guarda, e que ela conhece mas não percebe.
Um carro chegou. Um carro chegou e parou. E ela diz, Vou-me embora. Até amanhã, diz ele. Não, amanhã não nos vamos ver. Nem depois de amanhã. Então até depois. Sim, até depois. E ela vai embora, mas antes vira-se e dá-lhe a mão. Fria. O rosto dela está diferente. Também a voz. Até depois, então. E despede-se com o que podia ser um último beijo. E depois vai embora. Alguém espera por ela do outro lado da rua. Junto ao carro. Leva consigo a bagagem. Vai embora por muito tempo. E o que lhe deixa não é, afinal, um último beijo, mas um papel dobrado em quatro. E ele abre e entende.




"Se perguntarem por mim, diz que voei"

19/04/2007

Closer

Mize

Sabes o que sobrou? Esse ultimo olhar que me deixaste, que demorou mais que o habitual e que por isso eu soube que era o último. Por causa dele, sinto que sou a mais miserável das raparigas que hoje sobrevive à roda-viva deste amor de olhares e desencontros. Mergulho-me no abismo que é segurar o corpo sobre a cidade e ver Lisboa inteira a chamar por mim. E nestes dias, em que sou a mais miserável das raparigas a sobreviver à roda-viva deste amor, a cidade esgota-se, Lisboa é um imenso vazio de gente e o que sobrou fui eu.
Dou as mãos a quem encontro livre para me as dar também, que por norma sou eu própria, ainda que às vezes a necessidade de um abraço se imponha primeiro e o que sobra então não sou eu, mas as minhas mãos vazias. E depois as mãos seguram-se ao corrimão das escadas e o corpo desce de olhos fechados até perceber que não consegue ir mais longe. Porque caiu. É então que os olhos se abrem e o olhar avança sozinho. Procura uma ponta de céu onde voem vontades, mas toda a gente sabe que nas ruas escuras de Lisboa o céu fica longe demais, à distância de uma mão cheia de tudo e de um corpo erguido. Por isso, não sou eu afinal que sobro, mas as minhas mãos vazias, o meu corpo caído e os meus olhos fechados. Tudo porque hoje sou a mais miserável das raparigas que sobrevive à roda-viva deste amor de olhares e desencontros, enquanto tu me olhas e dizes tudo com a demora desse último olhar.
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Uma cruel e hilariante e cinematográfica impossibilidade de sermos Nós


Sabes do que menos gosto em ti? De olhar para o fundo da rua e ver que continua vazia. Tu não chegas e eu sei que, na medida dos nossos dias, eu fujo de ti porque tu foges também. E fazia muito tempo que não sentia o vento a passar por mim com tanta força. O que de certa forma é mentira porque o senti ainda ontem de mão dada contigo. Porém, para ti o ontem e o hoje não possuem qualquer relação de causa-efeito e, se hoje somos dois amantes a sonhar ao sol, amanhã vamos ver-nos apenas no relance de duas mãos que se acenam em lados opostos da rua. E, sabes, tenho um medo dormente de te perder. De que amanhã acordemos e não nos reconheçamos mais de mãos dadas com o destino.
Mas depois penso melhor e contento-me assim. Contento-me com essa felicidade estanque de dois amores eternos que não podem ser confessados, nem mesmo às palavras. E então, sei que o que temos são meia dúzia de olhares enlaçados, olhares estes que em breve vão abrir mão de tudo o que partilham e, quem sabe?, se de algo mais também.
E então, sei ainda que as promessas, que roubámos um ao outro em dias que, em bom rigor, nunca existiram, têm uma validade muito, muito curta. Uma validade que parece querer levar-me anos de vida também a mim. Mas não a ti. E é isso que me custa: o quão desimportante e precário é encostar-me ao teu abraço e adormecer nele; o quão simples é ausentar-me da tua vida sem que tu dês conta; o quão injusto é acreditar em linhas paralelas que se prometem cruzar num ponto incógnito do destino, mas que nunca, nunca o conseguirão fazer.
Desculpa se falo sempre do mesmo. A cada fim do dia eu volto aqui, a este mesmo sitio, e sinto a tua falta. Porque tu estás em todo o lado e não estás em lado nenhum.

16/04/2007

Viva Forever

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Do you still remember how we used to be,
Feeling together, believe in whatever my love has said to me
Both of us were dreamers, Young love in the sun,
Felt like my Saviour, my spirit I gave you, We'd only just begun


Às vezes apetece-me apagar a parte da minha vida que já não interessa. Rasgar as fotografias, livrar-me dos manuscritos antigos, queimar as folhas soltas de poemas e de diários. Às vezes apetece-me fixar essa certeza de que não me vou arrepender de põr um ponto final e um traço por cima em tudo aquilo que já re-experimentei vezes sem conta. Apetece-me ter essa determinação, essa coragem, esse agir livre da ameaça de um remorso. Porém, mais que o tudo ou nada que é apagar esses biblôs de memória da minha vida, a questão está em porquê querer faze-lo: porque não prolongar indefinidamente as recordações anexadas em papel? Porque não deixar que as lembranças de papel e de arquivos de Word se acumulem? Porquê apagar, porquê ignorar? Porquê sequer acreditar que, sem esses enfeites de como a vida foi um dia, me hei-de acabar por esquecer?
Na volta, talvez eu não procure uma fase nova sem nada que documente o que fui e como os dias foram outrora. Talvez eu procure precisamente o momento de viragem. O momento em que eu acendo o isqueiro e vejo os rostos, os instantes, o simbolismo do que se foi e já não se é, a derreter, a esfumar-se, a reduzir-se a pó. Talvez o que eu procure seja a intensidade das lágrimas que se emocionam ainda com o crescimento e com a mudança latentes em nós.

14/04/2007




Tenho muito medo de dizer o que sinto. E esta pode ter sido a frase mais simples que escrevi nos últimos meses e, contudo, a mais honesta. Não digo que tenho medo às vezes, porque são demasiadamente mais as vezes em que me inibo de dizer o que penso, do que as que digo e não me arrependo. E ainda agora fiz isso. Não falei porque não esperam que fale. Por aí, algures num blog amigo, li uma confissão que me tocou preferencialmente. Encheu-me os olhos de lágrimas. Apeteceu-me poder atravessar a rua e, na esquina de todos os dias, abraçar o autor dessa magia imensa que tanto me impressiona, mas que não esperam que partilhe.

We might as well be strangers. Não sei bem se somos estranhos, se amigos, se vizinhos num mundo de palavras. Não sei se ficaria estranho se eu me aproximasse para lhe dar testemunho das múltiplas formas de um só Amor que eu conheço, se não acreditaria em mim. Só sei que a voz que calo, fala numa perspectiva que ele acha que não devia ser a minha. Só sei que muitas vezes a vontade e o entendimento não se encaixam na identidade que trazemos connosco. Só sei que não tenho idade para que acreditem em mim.
E por isso mesmo, tenho medo, muito medo, de dizer o que sinto. E o que penso involuntariamente também. Porque não esperam que o faça. Ouviriam o que tenho a dizer com dois ouvidos mornos e adormecidos, como quem não reconhece quem diz e que, portanto, presume que nada há para ser ouvido.
E talvez tenham razão. Mas não é isso que eu sinto. Quero falar porque acho que tenho alguma coisa para dizer. E algumas lágrimas para chorar nos ombros certos, mas isso agora não interessa. Quero falar porque não cresci em vão e porque já saltei obstáculos quase tão altos como estes. Quero falar porque os abraços não dizem tudo e nem esses achas justo que partilhe. Não quero ser igual aos outros. Não quero que achem que o sou. Não quero que banalizem, nem que desdenhem das verdades tão prudentes e absolutas que eu digo e sei.
E hoje reparo que, como eu, somos muitos a pedir exclusividade. Hoje eu reparo e sei que, na voz de uma comunidade inteira, somos estranhos a deixar de o ser e a descobrir que, além quilómetros, outra vida pensa igual, sente igual e, se não é igual, é um pormenor de contexto desimportante que não nos afasta nem aproxima, mas apaixona. Todos os dias. E por isso, eu sei que não cresci em vão e que não quero perder isto em que acredito. Não sou, afinal, só mais uma.

13/04/2007

Palavras. Partidas e Chegadas


Tudo nos sabe a última vez. Voltei mas pareço partir. Como se só então sentisse a dimensão que tem dizer-te que fico e tu vais, como se só então partilhasse do medo de que eu vou e não volto, de que tu ficas e não darás pela minha falta. Como se só então pudesse suspeitar da identidade que mostrámos um ao outro, como se só então pudesse amar essa imensidão de coisas que ficaram por fazer e dessas outras tantas que ficarão por dizer quando um de nós se for embora. Nessa altura eu vou saber que não haverá passo atrás que possa ser dado. Os beijos acontecerão por descuido e os afectos, demasiadamente adiados, vão ser histórias por acontecer.
Não sei de que forma escutas a minha voz, se ainda a escutas. Sabes que podíamos muito bem ser dois estranhos a cruzarem-se todos os dias em passeios contrários e que então não terias dado por mim, nem eu por nós. Na volta, tem dias em que somos realmente dois estranhos a lutar contra uma corrente de controvérsia, tentando em vão acreditar que, depois do fim, seremos eternos amantes a discutir ao sol sobre a génese do mundo e sobre o que está ainda por vir. O texto vai longo e até hoje não coubeste em mim, quanto mais em tantas dúzias de palavras… além do mais, já dizia o cantor:

Words, they cannot love, Don't waste them like that, Cus they'll bruise you more

08/04/2007

Regressada



Alcains é uma terra de reencontros. Cada vez menos, mas ainda o é. E menos é afinal tudo o que este lugar ainda encerra. Pelo menos para mim. Para mim que já não procuro a ombreira desta porta pela madrugada; que já não me sento neste degrau, de cabelo molhado, a contar as pedras dos caminhos que já não percorro. Para mim que não adormeço mais à espera das estrelas cadentes que nunca vieram, nem dos desejos que nunca pedi, nem das promessas de vida que nunca fui capaz de fazer.
Alcains é ainda uma terra de reencontros, mas não para mim. Porque, sempre que volto, ainda que me cruze com os mesmo olhares, ainda que descubra as mesmas vidas estacionárias, nada me sabe a reencontro, tudo me sabe a rotina. Tudo me é estranho e ainda assim, mais que visto. Tudo perde magia, tudo ganha distância.
E Alcains… Alcains guarda as minhas origens, nada mais. Tal uma terra perdida do mundo que parece minguar sobre si e afundar pouco a pouco os segredos das famílias e o passado inacabado de todos os seus ancestrais. Alcains está sempre no sítio em que a deixo, prometendo voltar, e que revivo apenas quando te quero mostrar este bocado de mim que às vezes ainda precisa de respirar este lugar. Alcains morrerá um dia e das suas histórias sobrarão as fotografias cinzentas, os afectos adiados pelos quilómetros, os esqueletos de tantos armários por abrir. Alcains resumir-se-á talvez às canções de Natal que cantavam para nós, à imagem silenciosa dos avós, ao nosso corpo tão oco e indisposto, a chorar porque sim. Alcains será apenas, com o passar das gerações, um ponto esquecido no mapa, uma placa desviada que nos dá as direcções quando, na estrada, o nosso destino for outro. Alcains, um dia, não será mais que Alcains: o nome de outros tempos e de outras idades. E sorrir-me-á eternamente como o sorriso que eu hoje deixo aqui às pedras dos caminhos e às gentes vestidas de negro, que franzirão eternamente o sobrolho ao ver-me chegar.


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02/04/2007

" Holding Back The Years"... again


Um dia eu escrevi assim:


Espero que entendas. Às vezes procuro dizer-te estas coisas ao teu lado, mas nunca pareces querer escutar. E eu venho, então, escrever na tua ausência e contar-te tudo isto que eu queria ter chorado contigo. Tudo isto que me faz falta, que eu não posso mudar, que eu não posso sequer entender ou omitir.
Escrevo-te de uma viagem que faço entre as facções de duas vidas. Entre o rasgar rápido da paisagem, do tempo que se conta sem que tenha já importância, sem que tenha já um papel nesta estrada.Traço uma linha entre o passado dos que vim outrora aqui enterrar e este futuro que persigo além colinas. Porque – tu sabes – foi aqui que o avô morreu. Porque –sabes também – nenhum de nós teve tempo para esperar que a mágoa acabasse. Porque precisei de mais noites para entender a relação que tenho com este lugar, mas um outro universo de exigências levou-me para longe dele, e do avô, e das madrugadas ainda escuras de Agosto e do tudo que este lugar ainda significa.
E é cada vez mais difícil explicar o que me move com tanta franqueza a este lugar, sabes? Tenho medo que sejam já só crenças. Que sejam já só os gestos adornados de tudo aquilo que é suposto sentir, que sejam já só obrigações morais, um gosto vaidoso em exibir virtude e sacrifício, mas nunca amor. Tenho medo que se esgotem as lágrimas, que fique apenas a vontade estúpida de que outros saibam da saudade que também eu sinto por ele; que os outros reparem que as frias camadas de aparência são frágeis, tão simples de partir, tão fáceis de penetrar e amarfanhar; que os outros sofram mais, que os outros o tenham mais perto de si, que os outros o tenham amado mais e merecido mais. Tenho medo que este lugar adormeça um dia esquecido do meu avô, que o pó da estrada seja um dia alcatrão, a paisagem uma miragem e o tempo uma coisa importante.



A este lugar que se chama Alcains