15/02/2007


Hoje dediquei-me a pensar quem fui – e que hoje sou ainda, dissimulada numa existência que é espelho de todas as outras existências que tive. Como um acumular de tanta coisa, que tão dificilmente se expulsa de nós depois de experimentada. Porque, na volta, a vida é capaz de ser isso mesmo. Experiências. Existências, para ser mais correcta. E as minhas existências foram em regra pacificas e ocasionalmente violentas. E o que sou hoje só pode ser o resumir disso tudo. O resumir da reacção tão inata à necessidade de mentir e de fugir da realidade vigente. O resumir das primeiras experiências de tristeza, de uma tristeza profunda e abissal, com um fundo tão negro e frio que nos faz cair em nós próprios como se de um buraco negro nos tratássemos. O resumir da timidez, da intimidação que os nossos próprios olhos críticos conseguiam de nós, da certeza da singularidade insignificante que éramos perante um mundo a cada dia maior.
E esse buraco negro… bem, esse buraco negro sugava-nos para dentro. Fazia-nos descobrir as alternativas que não eram felizes, nem tão pouco infelizes, e que nos sabiam a resignação. Só que nessa altura nós não sabíamos o que era a resignação. Só nos queríamos defender do mundo a cada dia maior. E das tristezas, e das insónias, e das discussões no quarto ao lado, e do espelho. Só queríamos crescer para sermos maiores que tudo isso que nos fazia pequenos. Só queríamos ter as formas, o sorriso, uma voz de gente grande. Só queríamos ser estrelas e não mais esse buraco negro, gelado de tanta falta e de tanto excesso.
Hoje dediquei-me a pensar quem fui. E descobri inadvertidamente que sou ainda um buraco negro, pouco ou nada minguado, sempre gelado, sempre só, como se nada tivesse alguma vez mudado.

10 comentários:

Tiago disse...

Hoje recordaste, como eu.

Gostei muito do texto. Da entrega.

Beijinho

Abssinto disse...

Buraco negro sou. E penso demasiado no que podia ser e não sou, que nunca serei. Inevitável.

beijos

isabel mendes ferreira disse...

crescente!!!!!!!!!!!!!!!




beijo.

Anónimo disse...

É impressionante a nossa diferença de estilos de escrita...
Mesmo assim Gostei.

Abraço.

Ana Sofia Cavadas disse...

Passo por aqui, uma vez mais, para dizer que gostei muito das tuas palavras, da tua entrega.
Hoje, eu também recordei aquilo que fui. Não me consegui encontrar.

Um beijo,

Sofia.

Supremus Dies disse...

Sim... pessoalmente concordo com o buraco negro. És e serás sempre e acho que ainda bem. Considero que só assim se te apresentarão as possibilidades e as perspectivas.
Aposto que não abdicarias nunca do método extenuante da descoberta, certo?
Há cansaços e dores que gostamos de sentir… por todos os motivos.

Lord of Erewhon disse...

Um boa lanterna é sempre útil quando se faz prospecção nas cavernas da memória...

Dark kiss.

Synne Soprana disse...

Isso só revela a permanente insatisfação que nos caracteriza... E ainda bem... Pq precisamos dela para sentirmos vontade de viver...

Bjs!
(Foi a primeira vez que aqui vim e gostei! Hei-de voltar!)

Abssinto disse...

pssst!

Anónimo disse...

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.



Fernando Pessoa

:)

Lembrei-me dele...

Beijos*