03/01/2007

De tanto escrever, deixei de saber falar. Hoje se me pedissem para descrever e conversar de forma clara seria complicado. Perdi o norte algures neste excesso de metáforas e perguntas retóricas. E perdi-o porque não consigo por em frases simples o que realmente quero dizer.
Não que seja uma coisa cruel: nenhuma forma estúpida de maldade ou azar. Talvez o inverso: o ridículo de um sentimento, coisa que até custa escrever de tão piegas que soa!, o dramático de uma realidade que só o é na minha cabeça e que se arrasta pelos meses como se eu não tivesse, de todo, mais nada em que pensar.
No fundo, mesmo no fundo, devemos ter todos assuntos mal resolvidos connosco próprios. E daí as confusões mentais que nos tornam criaturas asfixiadas pelo amor a toda a hora, saturadas do regime devorador desta sociedade hedonista, sensíveis ao mais pequeno manifestar da indiferença do mundo.
Ou então será isto mais um disparate pavoroso onde não se conjugam ideias de senso-comum. Mas vou fingir que não me importo. Não que realmente não me importe, porque me importo. Mas o fingimento e a mentira são ainda uma porta alternativa quando falar verdade parece, por norma, errado.
Acho que custa explicar. Em voz alta ou mesmo por escrito. Talvez porque não sei bem o que quero realmente dizer e nem a tradução em frases simples conseguem tornar a coisa mais natural. Quando olho para mim, vejo apenas a necessidade de te ter perto. Porque quando estás perto, não te quero que te aproximes muito mais, mas que não te vás embora. Mas quando estás longe, como estás quase sempre, sinto-me tender para ele, para o espaço que não é mais o meu espaço, não é mais a minha vontade, nem o meu desejo, nem o meu ideal. Porque não é sequer de ti ou dele que eu gosto, mas algures um equilíbrio entre os dois, um meio-termo impossível de conseguir por fusão a quente ou a frio, sequer por complementação dos dois segundo o calendário, não porque ele não concordasse, mas porque tu não consentirias sequer tal hipótese.
E como deves ter já notado, escrevi e nem devo ter lido bem o que escrevi. Escrevi o que me apeteceu, e se o teu nome me escapou, não haverá mal nenhum nisso, nem afinal em coisa nenhuma, porque, no fundo, aqui ninguém sabe o teu nome, ninguém te conhece, nem sequer tu te podes conhecer se nunca te reviste num lugar assim. E, sabes, por mim escreveria a noite toda, e ficaria o resto da semana, e do mês, já dificilmente do ano que começa agora, a contar-te, e a quem inadvertidamente conseguir acompanhar o que escrevo, sobre coisas sobre as quais jamais algum dia me lembrei de pensar e que se uniram à vontade estranha de hoje te ligar por uma última vez e dizer-te, com todas as letras e vírgulas que a língua portuguesa deixar, que és especial mas parece que ninguém notou ainda, a não ser eu, e que rezo todos os dias que não notem, para que te mantenhas único e livre até que um dia eu desista de te escrever.
E na volta de tanto disparate com direito a tempo de antena, nem eu própria entendo porquê escrever-te se tu não lês, e até sabes onde me encontrar; se não ligas, se já tantas vezes o fizeste; se tu me vês e não entendes o que te digo com os gestos subentendidos na voz gelada e triste que adoptei para me fazer ouvir. Hoje ainda apetece-me chorar, e dizer ao mundo, ou não fosse esta mais uma forma de egocentrismo medíocre!, que me apetece chorar. Porque tu estás à distância de nove dígitos e cinco metros de chão e os meus gritos são sempre demasiado discretos para se fazerem sentir desse lado do muro que construíram por mim.
E eu queria ter escrito coisas simples…
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Beatriz

3 comentários:

Anónimo disse...

Agora percebi o teu comentário...

A. Pinto Correia disse...

Já o disse, mas repito-o: a tua escrita é belissima.
Posso tomar a liberdade de te linkar? (Só o farei após a tua aprovação)
Beijo

s. disse...

nunca as palavras sentidas deixaram de ser belas :)