07/10/2013

Cartas de Lisboa XVII


Encontrei-me novamente com a estranha que boicotou todos os projectos em plasticina que eu jurei fazer voar. Pergunto-me quantos planos nos correram mal e quantos esboços de nós dois nunca saíram do papel. Ou que nunca passaram de plasticina. Sei que ficámos estanques, pesando na vida um do outro, como pesam os outros nas vidas de que não se arrependem.
Mas eu era a estranha, a dita estranha. E isso da faca e do queijo na mão não era para mim: eu não conseguia decidir. Não era a dor da escolha, era a dor da renúncia. A responsabilidade das pessoas felizes. E num momento de pânico, eu diria (novamente) que não queria mais, que queria começar do início. Que não queria mais as músicas onde nos encontrámos a vida toda – sim, como se tudo isto tivesse durado uma vida. Faz tanto tempo que tento escrever e sinto que os meus constantes erros me interrompem. Ontem alguém dizia que todos temos um ideal de história de amor pessoal e eu sou da geração dos amores de viagem. A morte já não nos leva o coração, são afinal os intercidades e as paragens de metro. Aos 20 anos, separámo-nos mais do que o teríamos feito há 30 anos atrás. E no entanto, nunca fomos capazes de mudar a nossa rota – mesmo que isso tenha sido afinal uma derrota e não uma forma dissimulada de heroísmo. Passou-se enfim tanto tempo e eu continuo com este gosto a ressaca e metal na boca que me lembra todo o amor que ficou por resolver. Talvez o amor seja uma mentira. Ou talvez eu seja uma mentira. Mas, fosse como fosse, eu achava-me uma pessoa completa e eu achava-te outra pessoa completa. Assim como a ele, e a ele, e a ele. Mas em mim não havia pontos finais – coisas próprias de quem fala português. Em mim havia tantas histórias incompletas à espera de seguimento, que no fim do dia, eu nem sabia a quem devia fidelidade afinal.

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