30/03/2007


Antigamente queria ser tal e qual esses poetas de café que cheiram a mofo e consta que têm as almas mais bonitas do universo. Sim... eu queria ser assim porque acreditava profundamente na felicidade despercebida que eles não precisavam, resumindo-se e, no entanto, insuflando-se, na violência com que o mundo os recebia e com que eles recebiam o mundo: o mundo que era afinal de mulheres bonitas, de lugares ideais onde a diferença faz parte dos dias, de horários trocados, de roupas largas em corpos magros e tristes... de cigarros, de lágrimas, de frio, de noite, de cinzento. De luas cheias.
E eu queria ser assim... queria-me definir segundo esses contornos, apagados mas tão nítidos, tristes mas tão extraordinariamente complicados de se concretizarem genuinamente.
Depois percebi que não faria sentido tornar-me um escritor de vão de escada, um intelectual escondido por detrás das cortinas de um azar qualquer que apenas eu não compreendia. E eu tinha, então, idade para ser apenas uma idealista.
Depois cresci... e hoje sei que o que sentimos ao crescer não somos nós a mudar, mas o mundo a olhar para nós de uma outra forma. A esperar que actuemos na presença e em virtude de si próprio conforme os moldes que o nosso corpo e a nossa idade ditem que devamos agir. E eu não sei até que ponto me apetece que assim seja. Não sei até que ponto quero que o mundo surja para me pedir que de, um momento para o outro, eu não tenha mais quem vele por mim e seja eu a velar pelos outros. Não sei até que ponto sou capaz do frio de não ter por sistema um abraço que me protege e me garante um abrigo sempre que algo corre mal.
Por isso... eu hoje não quero ser mais um poeta de café, mas uma daquelas alma enormes que suportam tudo e perseguem tudo com um sorriso tolerante nos lábios e um olhar prevenido no rosto. Quero a alegria imediata, quando sabe a recompensa. Quero o suor e os calos nas mãos, as adversidade, os azares e no fim a certeza de que sou capaz de superar tudo isso conforme os ideais cristãos da minha infância. Quero o sabor da bonança, daquela paz infinita que nos trespassa de lés a lés, quando pelo meio vieram tantas tempestades que me atiraram ao chão e me obrigaram a reinventar-me para me puder levantar novamente.
Quero tudo isso sem me perder. Sem me perder a mim, nem aos meus poetas de café.

2 comentários:

Anónimo disse...

Fantastico...
Mas nunca queiras ser como esses poetas dos Cafés , quando o quiseres nunca mais serás feliz.
Beijinho.

barbAs disse...

Sabes, detesto comentarios em blogs com demasiadas palavras ou piadas e trocadilhos a cheirar a poesia, por isso digo-te só o que me apetece dizer-te. Gostei muito do que li aqui, e reconheço-me talvez um pouco na tua maneira de sentir. Este texto em especial, lembra-me de quem fui e de quem sou. Acho que o que quero dizer é parabéns, gosto de te ler.