19/03/2009

Cartas de Coimbra XXIII

ruas de Coimbra

É ao som dos últimos acordes que Coimbra me castiga pelas palavras disparadas em todas as direcções. O nosso sangue hoje é álcool, o nosso sangue é vermelho escuro de um copo de pura estupidez. O nosso sangue hoje é espesso, o nosso sangue hoje é tóxico. O nosso sangue é aquilo que nos burbulha à flor da pele, na ligeireza que é confessar-nos às negras paredes dos recantos mendigos desta cidade. Nada fiz que não escondesse nas entrelinhas um amor maior que a impotência de estar longe de mim própria, que a impotência de ter uma mão cheia de ti e outra sem coisa alguma. Há pedaços de histórias que fomos nós que inventámos, tal era o vazio que consumia o nosso eco. Sobreviver ao que nos tornámos é hoje a tarefa mais dura, o destino mais nobre, a desvantagem de, nestas coisas da vida, a marcha-atrás não existir. Não te peço que me perdoes porque não quero que o faças. Porque não quero que me perdoes a felicidade descartável de uma rotina assim, porque não quero que me olhes por dentro e descubras que és mais feliz sem mim.
Não perdi o seguimento à vontade de morrer lentamente no teu abraço, numa felicidade platónica e meiga. Não perdi o calor dengoso com que prendo o teu corpo ao meu, a tua alma à minha, a tua vida à vida que a sorte ditar. Sou eu da cabeça aos pés, eu antes e depois dos licores destilarem uma noite de altos e baixos, eu quando peço por favor para ouvir a tua voz só mais uma vez. Amo-te com a indiferença dos loucos: preciso de ti, da tua paciência temperada de fogo, do teu cheiro familiar, da tua mão que me segura e que me protege. O que te posso dar é cada vez menos, porque também eu sou cada vez menos. Mas, se me pedisses, cantar-te-ia o rebentar disperso das ondas, as mil cores que existem no sabor da tua lembrança, o único e verdadeiro sentido para tudo o resto.

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