02/01/2009

Cartas de Lisboa VI


Existe uma ideia escondida na ponta dos teus dedos. Uma ideia que soletras na pele da minha mão fechada, no silêncio que é a tentativa de estar perto sem, de facto, estar. Lamento não saber fazer das coisas fáceis. Lembro-me do teu rosto e dos segredos que realmente me tocaram. Foi uma troca, amor. Uma troca de dias e de lugares, eu dei, tu deste, às vezes acho que demos tudo e ficamos sem nada. Amar-te foi talvez a escolha mais difícil. Ceder à tua vontade, aos teus momentos, à tua anarquia. Imprimir na minha ausência a necessidade de estar ligada. Chorar quando não podia. Fingir. Procurar-te nos sinais bizarros das ruas vazias. Sentir o teu contorno no meu quarto a meia luz. Viver com o teu cheiro misturado com o cheiro do mundo que ficou por conhecer. Amar-te foi também a escolha mais cruel. Prender-te. Prender-me. Permitir ao tempo duas vidas. Repetir os lugares, re-inventar as rotinas. Confiar de olhos vendados na promessa de qualquer coisa provisória. Estarmos juntos em vidas separadas. Chamar por ti num grito seco,dizer-te sem que me oiças. Viajar no vento, estar sempre de passagem. Olhar em frente e perceber. Perceber tudo. Perceber as coisas más, as decisões que nos mataram por dentro, a necessidade de mais soluções. Perceber o amor. A raiva. O sabor de um nó na garganta a travar-nos a voz. O assalto consentido de uma noite em que não ficaste para me ver dormir.
.
.
.
You don’t understand me now,
I wonder if you ever will,
I wonder if you’ll ever try.
Don’t get sad about
All the strange things I wrote,
They faded as the ink dried…
.
(D. Fonseca, I see the world through you)

Sem comentários: