16/01/2009

Cartas de Coimbra XX

As intermitências que são dúvidas, que são limites, que é um destino de tentativas, que é um lugar melhor prometido a quem não foi capaz de lá chegar. O fermento de uma vida que criou em nós a necessidade de protecção, porque falhámos e porque nos cobram o valor que nunca foi nosso. Cair e recomeçar como parte fundamental da história. Sentir que o que fizemos foram gestos vagos, insuficientes, desviados. Não ter frutos. Lutar no universo das pessoas melhores, ser-se sempre pequenino, ser-se sempre dispensável. Às vezes vestimos a invisibilidade para que não se repare nas linhas a vermelho do nosso mundo. Se voltassemos atrás, fariamos diferente. Se voltassemos atrás, fariamos melhor. Mas é mentira. O corpo pregado ao chão pesa mais que a consciência e a vontade de andar. Pesa mais que a infinitude de lições que tirámos dos nossos erros e dos erros dos outros. Pesa mais que o medo de falhar, pesa quase tanto como o hábito de ficar para trás. O nosso corpo pregado ao chão pede socorro e não se acode a si próprio. Escreve poesia, chora o destino, inventa charadas, mas não corre atrás do ponteiro dos relógios. Sabe o tic-tac de cor, tem na boca o sabor das coisas bem faladas, mas não diz, não fala, não faz. O nosso corpo morreu na inércia de querer as coisas sem as conquistar. Morreu nas oportunidades desperdiçadas de fazer as coisas bem. Morreu no tempo esticado a jogar aos dados com a vida. O nosso corpo pregado ao chão perdeu a razão e nós com ele perdemos tudo o resto. Tomara que o relógio espere por nós, tomara que um dia a gente aprenda e corra atrás.

3 comentários:

pzs disse...

Espero que me desculpes, roubei estas tuas palavras que gostaria de ter escrito.

Obrigado

Alvaro_C disse...

Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.

Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo

Fernando K. Montenegro disse...

E "roubaste" bem ZM...muito bem.

"O corpo pregado ao chão pesa mais que a consciência e a vontade de andar."

Adorei esta frase...Porque me lembra das vezes em que arranco esses pregos para caminhar...