27/07/2011

Cartas de Lille XXIV

Há trinta minutos perdia a compostura e emocionava-me na Catedral de Rouen. Saía de cara mergulhada em lágrimas, com o mais parvo dos sorrisos. A minha mais ineficaz forma de agradecer tudo o que de terrível aconteceu nos últimos meses. A todos os cépticos ou homens de razão, a felicidade, aqui entre nós, tem a mão de Deus. Ou, com toda a naturalidade, a memória de dias felizes não é mais que uma porta de saída para pegarmos nas nossas vidas suspensas e partirmos até onde o coração nos levar.
Vi as pessoas menos prováveis chegarem à minha vida. Troquei todas as formas de Adeus com os homens que serão sempre, por definição, os homens da minha vida. A França explicou-me, em palavras caras, a ironia dos viajantes: como te deitas nos braços de alguém que não verás nunca mais. Fez-me sentar infinitas vezes à borda de tantas camas e à margem de tantos rios. Fez-me amar porque chovia e ser incompreensivelmente feliz porque fazia sol, contra todas as previsões. Dei-me conta do quanto adoro o cheiro das igrejas, o arrepio de entrar na penumbra e no frio dos lugares que aprendi a temer.
Acima de tudo, encontrei-me em bocadinhos dispersos. Em salas de pintura Impressionista, em corredores de aeroportos, em copos de vinho tinto. Sorri a todos os estranhos de mapa na mão e lembrei-me de nós dois. Sinto ainda o remorso de amar-te e não estar pronta para concretizar em ti, seja o que for.
O sino da Catedral treme-me nas mãos, no escorregar duma primeira e última cerveja. Eu sonhei com esta vida e sinto-a desvanecer-se ao mesmo tempo que a materializo em palavras. Só espero que um dia acredites que tudo o que se passou aqui foi muito maior que mim própria.

Rouen, 25 de julho de 2011

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