24/09/2010

Cartas de Lille II

No tumulto da rua de todos os dias, somos muitos e todos pedimos consolo aos 3 euros de álcool que é quase sempre o nosso jantar. De repente alguém fala a nossa língua e de repente todos falamos a mesma língua e todas repetimos com frieza que não é amor o que nos falta, mas sexo, mas lascívia, mas qualquer coisa que não é amor. Estamos sentadas numa mesa redonda e há cigarros apagados, cervejas mortas, um inglês metálico e semi automático. Diria que estamos envergonhadas. Por termos a vida do avesso, contas pendentes, uma história de amor que em voz alta se tornou apenas num cliché. Sorrimos estupidamente quando alguém pergunta onde ficaram as noites de sexo furioso, as roupas rasgadas, as manhãs que não tinham horas, quando o nosso quarto era um sítio quente e com vida. Olhamos para o fundo do copo vazio e quase em simultâneo para o fundo da carteira vazia. Porra. Fechamos a loja por hoje. Sentimos raiva na bebedeira insatisfeita que não podemos comprar. Na felicidade que os burros dizem que não podemos comprar. Nem com um bilhete de regresso a casa. E aí reside todo o paradigma. Isto já não é sobre esta França que nos suga o dinheiro e a felicidade. Isto é tristeza que trazemos colada a pele, não importa onde e com quem dormimos. Isto é querer ser feliz, de uma maneira ou de outra, cada vez com menos detalhes.

O silêncio pesa-nos finalmente porque voltamos quase sempre sozinhas a casa. Estamos absolutamente geladas. Queremos chorar mas fingimos que ainda não chegou a nossa hora. Somos tesas, pensamos. Somos exactamente como queriamos ser aos 14 anos. Somos cansativamente apaixonadas, pesarosamente irracionais. Temos medo de estar sozinhas e usamos boinas ridiculas de lã. Um único par de ténis rotos a esboçar a ideia que temos de nós próprias. Já não temos 14 anos e já não queremos fingir que somos intelectuais. Temos apenas 20 anos e perdemos toda a coragem.

1 comentário:

c.bruno disse...

isto é provavelmente uma das melhores coisas que já escreveste por aqui...