04/05/2009

Cartas de Coimbra XXVI

naked by ~little-stupid-sophie





Matas-me todos os dias com a tua subtileza. Sinto-a dançar sobre o meu sono, minando tudo o que de bom aconteceu. Desculpa se não te faço feliz. Durmo de dia, trago a vida vestida do avesso, descuido nos promenores. Sinto o martelar das noites na minha cabeça, o ribombar do coração incontrolado, as lágrimas como águas paradas na periferia dos meus olhos fechados. O choro dos amigos, o tic tac das horas de espera, a tua ausência, a tua miragem. Os abraços que não são teus, a presença que não é a tua. As portas que nos batem na cara, com a destreza de quem não sente. É tudo uma questão de nudez, de capricho, de sexo consentido. Faço meus os teus desejos e desejo, assim, por conveniência. Procuramos os dois uma alternativa sem culpa, mas eu no fundo só queria o teu amor: poder lavar-me com as tuas mãos, despir-me com as tuas mãos, prever-me com as tuas mãos. O mundo é um berlinde que me cabe no bolso, mas eu não chego para ti. Eu não sei de ti, não te sinto, não te vejo. Mordo os lábios e ensaio a tua chegada. Prometo ser-te fiel até ao final desta última noite e rezo para que o sejas também. Olho para trás e recordo-me apenas de lençóis revolvidos a meia luz, de um perfume ainda morno, de um beijo na testa a troco de tudo. Do outro lado da estrada, ficaram os meus copos de vinho caídos, uma batina enxuta de lágrimas, um palco vazio. Do outro lado da estrada, ficou Coimbra à mercé das serenatas, à mercé do luto, à mercé das lutas. Coimbra à mercé dos amores de ocasião.

.

.

.

.

.







Sem comentários: