07/02/2008

Cartas de Coimbra V


E trocadas as voltas, sou muito mais pequena do que supus. Somos todos. Jamais da integridade que acreditámos ser, jamais da coragem que pensámos ter. E trocadas as voltas, cada vez que te sujeitas a voar, cada vez que sonhas, cada vez que te vês lá no alto onde não estás, o mundo tropeça-te nos pés e mais pequena te tornas. E mais ninguém ter tornas. E menos sabes, e menos entendes, e mais medo somas, e mais consciência tens do que perdeste com o tempo que consumiste a sonhar. E mais pequena és.

E trocadas as voltas, as aparências iludem. E tu iludes-te com o reflexo espelhado que tens de uma estranha história a minguar-te nas mãos. Lá no fundo tu só querias ter visto o nascer do sol com ele ao teu lado. Tu só querias ter fugido com ele para um fim do mundo onde ninguém vos pudesse encontrar. Tu só querias ter recebido flores, ao menos no teu dia de anos. Que te tivessem feito uma surpresa que fosse, e percebido que precisavas deles. Que precisavas de ti e que não te tinhas. Tu só querias ter sido outra a quem as coisas não pesassem tanto. Outra que ele não tivesse tido de deixar e que hoje ainda iria acordar a meio da noite e aperta-lo contra si. Outra. Tu só querias que as tuas mãos não gelassem cada vez que, para não chorares, tivesses de escrever. Que para conservares o ritmo te adiasses por tempo indeterminado. Lá no fundo, tu só querias ter sido feliz. Tu só querias ter sido feliz à tua maneira resguardada de esperares por um rasgo de sorte para embarcares na vida. Mas o teu rasgo de sorte não veio ainda e tu sentas-te de pernas cruzadas à espera do destino. Consta que ele há-de chegar quando menos esperares e que aí talvez te conformes e sejas feliz assim.

11 comentários:

José Pires F. disse...

Claro que chegará querida Beatriz, claro que chegará. No entanto, temos de ser nós a dar uma ajudinha, creio que esperar de perna traçada não será boa politica .

Grande abraço.

José Pires F. disse...

O texto (a carta) está excelente. Não o disse, mas pensei.
Outro abraço.

Andreia disse...

Sim, Beatriz, vai chegar quando menos esperares. O destino, a sorte, os dias felizes, o pôr-do-sol e as mãos cheias. Entretanto, descruza as pernas, e faz-te ao caminho. Agora até é mais fácil com a Primavera que se anuncia!

Um abraço (grande)!

Anónimo disse...

(belíssimo texto; continuo a ler-te, claro)

Filipe disse...

Duvidar do destino é pecado mortal. Desenvolvermo-nos em todas as nossas vertentes é a salvação.
Viver não é fácil para quem ousa querer um dia ser humano.

Abssinto disse...

A noção da nossa consciência. Vai ser sempre assim vida fora, rasgando pano. E a sentir cada vez mais, a consciência.

bj

Klatuu o embuçado disse...

Estas Cartas estão de um gajo fingir que ainda é estudante e subir bêbado por ruelas, para ir lá acima mijar contra os anjinhos de pedra das artes, das ciências, da retórica e das leis... e, depois, atirar-se ao Mondego!

Mas olha... já comia era um arroz de míscaros no Espaço Brasil!:)

Dark kiss.

c.bruno disse...

esperar de mais também não faz bem... *

Anónimo disse...

somos todos assim
poeira cosmica invisivel
aos olhos dos quais
gostariamos de ser
a luz da vida.

Maria Mi disse...

vai passar. um dia.digo eu.
tenho uma estrela que me diz todos os dias que vai passar. é bom ouvi la. uns dias ate parece que ja passou. outros o mundo parece que desaba por cima de nós.
outros parece mesmo que já passou. e no dia seguinte o aperto vem outra vez.
mas um dia o aperto vai voar para longe... prometo.

Ankh disse...

Tu só querias... é no querer que reside as mais nossas diversas mágoas. Não esperes, alcança!