11/05/2007

Um ano depois...



Faz um ano que o mundo parou e vestimos o luto. Sofremos muito… e depois a vida voltou aos carris, como não podia deixar de ser. Faz um ano que ele perdeu um pai e ela um marido. E fomos todos sentir com ela a dor imensa de um acontecimento para o qual não tínhamos ensaiado. O mundo parou. Literalmente. E nós, parados com ele, viajámos até lá, até onde as origens nos levam. Eles foram no próprio dia mas eu tive de esperar. E esperei. E depois, embarquei enfim na viagem mais silenciosa da minha vida. Acho que nem me ouvia a mim mesma. Toda eu era silêncio. Uma espécie de cimento endurecido, mal vestida, com o primeiro preto que vira no armário, com a expressão petrificada que me ficara desde que ela dissera “O avô morreu”.
A vida é mesmo assim, dizem. E assim mesmo é a nossa desorientação quando algo falha. Hoje sei que naquele dia algo falhou para que algo mais se encaixasse.
O tempo passou demasiado depressa. E ele foi o único avô que conheci. O único que me conheceu, o único que me ensinou canções de Natal. O único avó que me falara de outros tempos, que emigrara, que regressara. Mas minto-te se te disser que é nisso que penso quando aquele dia me pesa. Minto-te se te disser que pensei nele todos os dias da minha vida. Porque não pensei. Mas pensei todos os dias no meu pai. Na voz carregada de um remorso estranho de quem fez na vida tudo o que havia para fazer e fê-lo bem.
Todos os dias penso em como foi importante que as pessoas, por um dia, soubessem quem eu era e me dessem os sentimentos. O artificio dos gestos que são afinal importantes. Demasiadamente importantes. Tal como a precariedade da vida.
O mais importante foi sem duvida o manifesto de amizade que alguém trouxe. A manifestada presença de tantas pessoas, que não serviam afinal para conversas de café apenas. E que estavam ali, porque sentiam a obrigação de ali estar, não para enterrar os mortos, mas para abraçar os vivos.
Naquele dia eu teria carregado de bom grado a tristeza do meu pai. Eu teria dado tudo para o aliviar. Há pessoas que nós julgámos a vida toda que não choravam, mas que naquele dia choraram. E nós choramos com eles.

Hoje, onde quer que ele esteja, sei que o avô é senhor da Verdade que todos procuramos. Hoje, com pelo menos um ano de avanço sobre nós, ele saberá se estamos certos ou errados quando amamos desta forma, quando aclamamos Deus um Homem pregado numa Cruz, quando recordamos todos os anos os nossos mortos.


Porque eu acredito nesse Homem pregado numa cruz. E na precariedade da vida também. E nas segundas, terceiras e múltiplas oportunidades que a vida trás e reinventa.

11 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

RE.PUBLICO AQUI A RESPOSTA QUE DEIXEI NO PIANO:
Beatriz:
nõ é uma solidariedade impune. é um nome que grita em nome de todos os nomes em todos os lugares que foram e serão vítimas de predadores....!

fÉ?????

__________________


desculpa não concordar.

bom sábADO.

2:17 PM
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(PORQUE TB SOU MÃE...)
____________________.

Alberto Oliveira disse...

Naturalmente que aceito uma vez mais o desafio.

Óptimo domingo!

Clarissa disse...

Minha doce Beatriz... lembro bem essa altura.
Ficaste uma menina mais triste, a tua escrita mudou, reparaste?!
Um beijo doce, porque há sempre pessoas a abraçar-te, mesmo que «falem» pouco, como eu :)

maria. disse...

eu lembro da dor. eu lembro meu corpo em calafrios sem saber o porque, eu lembro uma certeza de perder quem eu mais amava no mundo. lembro de pensar "pelo menos agora ele foi para onde queria"... lembro doce e suavemente daquele homem enorme que para mim foi mais que avo, foi o pai que meu pai nunca foi. e morro de saudades. mesmo nao lembrando todos os dias.

Clarissa disse...

Querida Beatris, já te respondi, lá pelos Instantes.
Bom domingo

Marshall disse...

é, situação complicada mesmo! Acho que nesses momentos de dor acabamos crescendo e a vida nos mostra que somos fragéis demais e que temos que aproveitar ao máximo a vida!
Gde abraço

Anónimo disse...

É descobrir que tudo quebra... Que pedaços de nós fica pelo caminho e que esse pedaço sempre fará falta...
Aquele vazio que ecoa...
1 ano... Uma pausa no tempo...
Ele estas olhando por tu dona moça... E sabes de cada palavra sua...

Cuida-te
:*

José Pires F. disse...

Lembro-me bem da dor que então nos transmitiste.
Um ano… e nós por cá andamos.

Filipa disse...

Tinhas tido um exame ou teste de biologia não foi minha querida? Lembro-me sim.
Lembro-me que tentava rir e fazer de conta que estava num carnaval de veneza, com uma máscara feita de umas calças pretas e t-shirt preta que nunca uso, com um casaco branco que teimosamente chegava a tapar-me as mãos e todo o meu desiquilíbrio emocional.
Nao gosto de funerais. foi o primeiro. Fugi do funeral do meu avô materno. Tinha menos 10anos.Não queria estar ali. Com o nosso avô consegui estar pelo menos fisicamente lá. Embora por trás de uma máscara. Embora a pensar que aquilo nao existiu. POrque ele existe ainda. A memória é mais do que uma base de dados de nomes e caras. A memória é o que nos deixam as pessoas e se mantém, na manga da camisola que nao para de descer....
Que bom que existem pessoas eternas:)

rafaela disse...

Este texto faz-me tanto lembrar o meu próprio avô, o funeral dele, as pessoas infinitas que apareceram lá, que incomodaram os planos de fim-de-semana para abraçarem quem chorasse com eles... E nunca me lembro de ter visto tantos abraços juntos, tanto silêncio a dizer tanta coisa, tantas lágrimas verdadeiras a caírem ao mesmo tempo... Não preciso de acreditar em Deus, mas sim, como alguém alguma vez disse, acreditar em pessoas a rezar. E se há fé, ela não está nos livros fininhos de catequese, está sim nos corações e nos actos, e nas palavras de quem vive e ama e chora.

Tinha escrito um texto sobre o meu avô para publicar no desafio que fizeste aqui no teu blog, mas depois de ler este texto, esta memória, fico sem armas para publicá-lo. Talvez um dia mais tarde... ou mais cedo...

Obrigada por este texto, esta lembrança, estes olhos esbugalhados que prendeste ao ecrã...

Beijinhos, Beatriz...

Anónimo disse...

Lindo... Fenomenal....
Apareci aqui hoje "por acaso" (se é que existem acasos), li alguns textos (maravilhosos)... Pensei "depois hei-de cá vir com mais calma ler outra vez e talvez comentar"...
Li este texto... E o depois tornou-se agora.... Porque para mim já são 4 anos depois...
Fenomenal...