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verre de soie. by moumine |
Pudesse eu ao menos contar-te como foi acordar naquela manhã, depois de
ti, depois de mim. Pudesse eu explicar-te como foi acordar para ti todos os
dias da minha vida. Como foi enfrentar o vazio que era, e sou ainda, percebendo
enfim que foste apenas um acaso, que eu fui apenas uma das tuas distâncias, que
os teus desejos eram de aguarela, de uma pesada insónia, que nem eu nem ninguém
conseguiamos mudar. Pudesse eu explicar-te como mudaste a minha vida, muito
além daquela última carta que te escrevi – a única que cheguei de facto a
enviar, sem nunca ter tido resposta.
E o teu silêncio não me traz paz. Tudo se tornou corrosivo – a chuva, as
manhãs, os lugares que nunca verás. Eu queria contar-te a minha história, queria
tanto!, mas não tinhamos idioma comum, um que em que realmente nos
encontrássemos os dois, um em que me lesses por detrás das vírgulas. Queria que
acreditasses que me salvaste, por um acaso. E que a memória dessa noite me
salvou nos quatro anos que se seguiram.
Hoje já não existo, nem para ti, nem para mim própria. Estou ainda
naquele segundo andar em Wazemmes a ouvir-te tocar. Foi um rompante de magia –
e eu não consegui lidar com isso. Achei que sim. Achei que eram todas essas
memórias (inventadas?) que me tiravam da cama de manhã; que me moldavam para
ti, sem nunca desejar realmente repetir-te. Não foi certamente paixão. Foi uma outra
coisa; talvez o embate da ingenuidade dos meus vinte anos com a honestidade da
tua vida sem fronteiras. Não sei, nunca o soube.
Até nunca mais, dir-te-ia, se tivesse coragem - mas amanhã, novamente, vou procurar-te em todos os estranhos do mundo e viver a decepção um dia de cada vez.