
«E ele me conhece o suficiente para saber que eu poderia até receber um estranho, mas nunca abriria a porta para alguém que de fato quisesse entrar.» CHICO
28/09/2010
Cartas de Lille III

24/09/2010
Cartas de Lille II
No tumulto da rua de todos os dias, somos muitos e todos pedimos consolo aos 3 euros de álcool que é quase sempre o nosso jantar. De repente alguém fala a nossa língua e de repente todos falamos a mesma língua e todas repetimos com frieza que não é amor o que nos falta, mas sexo, mas lascívia, mas qualquer coisa que não é amor. Estamos sentadas numa mesa redonda e há cigarros apagados, cervejas mortas, um inglês metálico e semi automático. Diria que estamos envergonhadas. Por termos a vida do avesso, contas pendentes, uma história de amor que em voz alta se tornou apenas num cliché. Sorrimos estupidamente quando alguém pergunta onde ficaram as noites de sexo furioso, as roupas rasgadas, as manhãs que não tinham horas, quando o nosso quarto era um sítio quente e com vida. Olhamos para o fundo do copo vazio e quase em simultâneo para o fundo da carteira vazia. Porra. Fechamos a loja por hoje. Sentimos raiva na bebedeira insatisfeita que não podemos comprar. Na felicidade que os burros dizem que não podemos comprar. Nem com um bilhete de regresso a casa. E aí reside todo o paradigma. Isto já não é sobre esta França que nos suga o dinheiro e a felicidade. Isto é tristeza que trazemos colada a pele, não importa onde e com quem dormimos. Isto é querer ser feliz, de uma maneira ou de outra, cada vez com menos detalhes.
O silêncio pesa-nos finalmente porque voltamos quase sempre sozinhas a casa. Estamos absolutamente geladas. Queremos chorar mas fingimos que ainda não chegou a nossa hora. Somos tesas, pensamos. Somos exactamente como queriamos ser aos 14 anos. Somos cansativamente apaixonadas, pesarosamente irracionais. Temos medo de estar sozinhas e usamos boinas ridiculas de lã. Um único par de ténis rotos a esboçar a ideia que temos de nós próprias. Já não temos 14 anos e já não queremos fingir que somos intelectuais. Temos apenas 20 anos e perdemos toda a coragem.
05/09/2010
Cartas de Lille I
Eu já cá estou. Sinto-te comigo a cada instante. Não importa quanto te hei-de odiar um dia, hoje agradeço por seres, por mim, mais que tu próprio. Não importa a cama onde (não) estivemos juntos, esta será sempre a nossa casa. Esta será sempre a minha casa. Esta serei sempre eu própria.
A velocidade dos dias é brutal. A informação imensa a fluir a todas as horas, de noite e de dia. A logísitica de ser uma estrangeira a tempo inteiro e para todos. O destruir barreiras que se re-erguem todos os dias. A impressão que apenas a cerveja nos abre portas, quando na verdade as fecha. O frio que só eu sinto. O medo invisível. O cansaço de todas as manhãs. A água quente a jorrar no corpo gelado pela impessoalidade dos corredores. As pessoas que quisemos que fizessem parte da história. A solidão que será sempre uma constante, não importa a latitude. Somos afinal livros demasiado brancos, espelhos sem reflexo, tempo perdido. Todos os dias acordo à tua espera. Um dia hei-de voltar e nunca mais ir embora.