
por Marzena Gregier
Um mundo a meio. Uma meia laranja sem brinde, um meio ano por perfazer um sonho onde estou só por metade. Eis que foi assim que voltei a Lisboa. Que foi assim que voltei à contagem crescente dos anos que teremos de esperar para tentarmos de novo. Para tentarmos de novo ser felizes, e não apenas felizes por metade. Tão simples quanto isso. Tão banal. A muralha de Lisboa que me fez sombra tantas vezes... O recorte do castelo, a minha eterna varanda para uma lua cheia que não vejo desde há tanto tempo. O Tejo, as festas, as ruas, o Fado, os amigos. O tempo. Tão absurdamente banal quanto o tempo e todos essas recordações indevidas para quem foi viver para longe. E hoje eu digo, de costas para o Mondego, que não quero voltar a Lisboa. Que, mal por mal, que me esqueça dela. Que me esqueça do bairrismo, da tempestade de gente a viver Lisboa todos os dias em hora de ponta; que me esqueça que todos os caminhos vão dar ao prenúncio de uma ausência. Que todos os caminhos já são saudade ainda antes de os completarmos. E hoje eu digo, bem de frente para a fachada da velha faculdade, que não deveria ter sido assim; mas, não havendo escolha, que o resto se faça a correr. Que os amores ganhem vida depressa, que eu me canse deles, que eles passem por nós como se nunca tivessem acontecido. E hoje, apesar de dizer tudo isto, volto a Lisboa. Volto ao largo Camões, à primeira manifestação que partilhei contigo; volto ao Carmo, volto aos miradouros a quem escrevi tantas cartas de indecisão, volto aos promontórios de escadas, às nossas inesquecíveis tardes de chuva. Volto ao Chiado, volto aos jardins onde escondemos tantos segredos, volto aos museus, aos autocarros que nunca tiveram destino. Volto às castanhas quentinhas, ao mar de gente que fala e sente coisas que eu não entendo. Volto à minha infância, aos velhos rostos que se perderam com a prepotência dos acasos.