29/05/2007


Tenho um medo dormente de te magoar. Um medo dormente de te perder. Um medo dormente, um medo medonho, um medo apavorado. Um medo escuro, mal definido, frio e trémulo, um medo imensamente vazio. Um medo incomensurável…

(Preciso de me ouvir para te poder escrever todas estas coisas – pois as ideias flutuam cá dentro a meia luz, quando sinto o repetir das tuas mãos nas minhas mãos e da tua voz na minha voz.)

Tenho um medo dormente e desgastante que me mostra porque nunca relação alguma funcionou comigo. E, contudo, eu seria capaz de magoar qualquer um, mas não a ti. Acho que não precisaria do inferno para me condenar, eu mesma me condenaria a um inferno de vida onde o remorso nos engole e suga até à raiz inocente do que ainda somos.
Por isso mesmo, tenho medo. Medo de dar os passos errados, mostrando-te a parte de mim que não faço questão que conheças. A parte estupidamente vidrada no efeito banal que os corpos conseguem quando se entregam assim, de mão beijada. A parte de mim que não questiona nada e garante um amor de poesias com fenómenos de telenovela. A parte de mim que tropeça nos mesmos erros a cada novo encontro. A parte de mim atormentada pelas dúvidas, dividida por formas de afecto que nos assustam, e aproximam, e afastam, e existem para adiar a felicidade plena que deveríamos ter encontrado hoje, ao virar da esquina.
Tenho um medo dormente de não ser o que procuras ou que nos tornemos naquilo de que sempre fugi: os amores condenados à rotina, às comparações, aos registos de memória sobre o que falámos e fizemos, e não falamos, não fazemos nem somos mais… Queria ter tempo para descobrir que o medo não tem razão de ser… Mais que isso, queria ter uma bola de cristal que me mostrasse que a vida nos promete pelo menos um Natal juntos. Pelo menos um lugar na memória para que no futuro não sejas mais um, para que no futuro eu procure outros tantos iguais a ti, comparados a ti, mais pequenos que tu, invisíveis ao teu lado.
Tenho um medo dormente de te perder.

18/05/2007

Ponto Final, Parágrafo

Vieste enfim. Este blog deixou de ter motivos para existir. Descobriste-me… descobriste-me com a literalidade mais ampla que as palavras podem ter.
Numa semana as coisas mudaram e eu sinto-me igual. Talvez porque não acredito que as coisas tenham realmente mudado. E eu confessei-te, e tu confessaste-me. E a imensidão de textos que te escrevi até hoje são, afinal, indícios de afecto demasiado falsos, demasiado meus, indícios que não falam de como realmente me senti durante estes últimos meses, arrastada num semi-sentimento, que não era nem saudade, nem a isenção desta.
Quero realmente que este texto seja um ponto final, parágrafo. Que entendas que leres e saberes, enfim, que é para ti que sempre escrevi, faz toda a diferença. Impedir-me-ia de continuar, ou não tivesses tu prometido que jamais voltarias. Ou não fosses tu entenderes que esta é a minha única forma de liberdade garantida…
Porém… não sei que te adiante mais. Sem que te o dissesse, saberias responder a quem te perguntasse por mim, que voei. Sem que me ouvisses, lerias na minha expressão tudo o que precisarias de saber. E a única coisa que não sabes e que não poderias, de forma nenhuma, saber… é que dentro de mim ecoa todos os dias a mesma e repetida pergunta.
Onde estás?

14/05/2007


Fui correr hoje à tarde, sabes? Até não poder mais. No sítio do costume, com a companhia de sempre. Com os mesmos motivos nas palmas das mãos fechadas. Tu e Ele. Nós os dois e nós os três. As aulas, o tempo, o futuro, o destino que escolho hoje e sobre o qual sei tão pouco. Os motivos de sempre a latejar-me no peito sem ar. E depois começou a chover. E eu corri com mais vontade. Quanto mais depressa, mais inevitáveis esses motivos. Menos a culpa das decisões mal tomadas. Menos o medo de agir mal e de ser obrigada a voltar atrás. E depois… depois choveu ainda com mais força e eu parei. Na paragem do autocarro de sempre. Reparei que os passageiros eram quase todos os mesmos. Facto sem importância nenhuma, mas que tu terias reparado. E terias encostado o rosto à janela molhada e acompanhado o ritmo da chuva como se fosse o teu próprio ritmo cardíaco a abrandar. E depois… depois não haveria depois. Irias assim, dormitando na chuva, nos sonhos salpicados de uma vida tão macia quanto o meu cansaço. Gosto de me sentir assim e de te lembrar assim. Como se toda a energia fluísse em mim, numa corrente suave e imparável, com ritmo e destino certos. Até a um espaço de certezas. E amanhã é outro dia. Para ti e para mim. Não importa se esse espaço não tiver sido ainda conquistado. O que importa é poder ver-te fixar-me e não restar dúvidas que existes, quiçá que existimos.

11/05/2007

Um ano depois...



Faz um ano que o mundo parou e vestimos o luto. Sofremos muito… e depois a vida voltou aos carris, como não podia deixar de ser. Faz um ano que ele perdeu um pai e ela um marido. E fomos todos sentir com ela a dor imensa de um acontecimento para o qual não tínhamos ensaiado. O mundo parou. Literalmente. E nós, parados com ele, viajámos até lá, até onde as origens nos levam. Eles foram no próprio dia mas eu tive de esperar. E esperei. E depois, embarquei enfim na viagem mais silenciosa da minha vida. Acho que nem me ouvia a mim mesma. Toda eu era silêncio. Uma espécie de cimento endurecido, mal vestida, com o primeiro preto que vira no armário, com a expressão petrificada que me ficara desde que ela dissera “O avô morreu”.
A vida é mesmo assim, dizem. E assim mesmo é a nossa desorientação quando algo falha. Hoje sei que naquele dia algo falhou para que algo mais se encaixasse.
O tempo passou demasiado depressa. E ele foi o único avô que conheci. O único que me conheceu, o único que me ensinou canções de Natal. O único avó que me falara de outros tempos, que emigrara, que regressara. Mas minto-te se te disser que é nisso que penso quando aquele dia me pesa. Minto-te se te disser que pensei nele todos os dias da minha vida. Porque não pensei. Mas pensei todos os dias no meu pai. Na voz carregada de um remorso estranho de quem fez na vida tudo o que havia para fazer e fê-lo bem.
Todos os dias penso em como foi importante que as pessoas, por um dia, soubessem quem eu era e me dessem os sentimentos. O artificio dos gestos que são afinal importantes. Demasiadamente importantes. Tal como a precariedade da vida.
O mais importante foi sem duvida o manifesto de amizade que alguém trouxe. A manifestada presença de tantas pessoas, que não serviam afinal para conversas de café apenas. E que estavam ali, porque sentiam a obrigação de ali estar, não para enterrar os mortos, mas para abraçar os vivos.
Naquele dia eu teria carregado de bom grado a tristeza do meu pai. Eu teria dado tudo para o aliviar. Há pessoas que nós julgámos a vida toda que não choravam, mas que naquele dia choraram. E nós choramos com eles.

Hoje, onde quer que ele esteja, sei que o avô é senhor da Verdade que todos procuramos. Hoje, com pelo menos um ano de avanço sobre nós, ele saberá se estamos certos ou errados quando amamos desta forma, quando aclamamos Deus um Homem pregado numa Cruz, quando recordamos todos os anos os nossos mortos.


Porque eu acredito nesse Homem pregado numa cruz. E na precariedade da vida também. E nas segundas, terceiras e múltiplas oportunidades que a vida trás e reinventa.

08/05/2007

6.ª Edição do Canto de Contos

Caros Escritores,

Está lançado um novo desafio! Convidam-se membros e não membros do “Correr da Pena” (e todos os que se quiserem juntar a esta iniciativa) a participar em mais um Mote literário. A ideia é publicarmos em simultâneo, no mesmo dia, à mesma hora, um texto (literário ou não, abordado da forma que quiserem) sobre um tema predefinido.

O tema deste novo desafio será dedicado a Uma Pessoa. Escolham-na. Uma pessoa importante, como um pai, uma mãe, um irmão, um avô, um melhor amigo, um namorado, um filho, um professor; ou uma pessoa não tão importante mas REAL, como uma vizinha, alguém com quem nos cruzamos todos os dias, o homem da banca dos jornais ou do café da esquina, o carteiro, enfim… quem quiserem. O importante é que rode em torne de alguém a quem possamos dar forma, personalidade e espírito (e contexto, já agora…). E idealmente… que seja real.
A publicação deve ser feita dia 2 de Junho , às 21h30 (data e hora sujeitas a alteração caso não forem adequadas para alguém).

Convidamos desde já os seguintes bloggers…
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P.S. - Para qualquer outro esclarecimento, contactem comigo (Beatriz), com a Vanessa ou com o Pedro Pinto

06/05/2007

When "2 become 1"...


Fecho os olhos e sustenho tudo o que sou e devia ter tentado ser. Estás à distancia de uma mão cheia de improviso e de um abraço com que te digo tudo o que posso, excepto a verdade; essa verdade que não se diz nunca, resumida a sensações que não têm nunca tradução em palavras ou gestos. Como aquelas paixões miúdas com as quais contámos a vida toda porque jamais poderão ser mais do que isso. E um dia elas tornam-se realidade e tu persistes ainda numa distância que não podes negociar comigo. E nesse dia eu preciso de ti, como nunca alguma vez precisei de alguém, e tu estás longe: disperso numa imagem que guardo sobre o areal de um sonho, de um sonho onde sou eu e é ele, junto a mim, e tu perdido na hipótese de como teriam sido as coisas se fosses tu, e não ele.
Queria enfim dizer-te mais do que o que o bom-senso sugere. Numa carta aberta, sem o risco de mais um desencontro. E então contar-te que existem coisas que desejamos demais para que, de alguma forma, se realizem. E se tal acontecer, será afinal só mais um forma camuflada de nos roubarem os sonhos, as fantasias. E não importará afinal que a tua distância se conte em quilómetros, horas ou numa outra forma sobre a qual eu nada possa. Porque tens sido tão mais real no meu imaginário do que a mão dele no meu ombro e na minha vida. E talvez por isso não careças de sol, cuidado ou sedução. E se estás ou tiveste ausente, eu reparei. E é para ti que escrevo. Hoje e talvez desde sempre.
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29 de Dezembro de 2006

03/05/2007

De uma estação ausente: só, contigo

Já não sei o que somos. Talvez dois pássaros que se prezam mais a voar do que presos a uma mão que garante apenas um regresso seguro. Já não sei o que somos. Não sei o queremos, o que fazemos de mãos dadas e corações fechados. Não sei o que pretendo de ti, não entendo o que vês em mim. Não sei nada sobre esse Tudo que julgámos os dois que eramos, não sei nada sobre afinal quase tudo. Não sei o que somos quando nos olhamos bem de frente, nem quando nos revemos nos destroços de gente que encontramos a caminho de casa. Quando falamos e sorrimos e eu sou a única que dá, e que acredita, e que perde. Já não sei... Já não sei o que somos quando estamos acordados por motivos tão obvios como a solidão a bater-nos à porta e a entrar sem convite. Já não sei o que somos quando a sinceridade se perde na nossa boca e dizemos verdades inconvenientes. Já não sei o que somos quando ouvimos músicas tão diferentes, quando vivemos vidas tão demasiadamente iguais para se completarem. Quando amamos de forma tão controlada ou destinada... Já não sei o que somos quando penso que o que mais tenho a esconder é o que mais te tenho a dizer. Não sei o que prentendes de mim, não entendo o que vejo em ti. Já não sei o que somos.
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All the promises we break, from the cradle to the grave
When all I want is you.