26/05/2008

Cartas de Coimbra X




Olha, sabes que mais? Há partes do que sou que nunca vais querer entender. A cor do ritmo brasileiro, as vozes que coloriam a rádio quando eu era nova. A nostalgia que fica quando não ouvíamos as músicas da nossa vida há tanto tempo. A vontade louca de dançar à chuva e de te puxar para rires comigo do mundo. A Daniela, a nobreza da leveza de espírito, o querer-me tão capaz de voar. A simplicidade quase ridícula das letras. Uma realidade tão assim, tão diferente. A vontade dormente de uma liberdade de gestos incomparável com o que tivemos até agora. Consegues imaginar?

Tenho uma saudade imensa de dançar. De dançar com os cabelos soltos, no meio da rua, de dançar como quem deixa a vida rolar ao sabor dos dias. Sacudir estrelas, sorrir e mexer com quem passa, rodar uma saia de braços abertos e, sem dar conta, tudo já ter valido a pena por este nosso momento de insaniedade. Ser atrevida! Possuir nas mãos e no corpo todo o olhar de um homem apaixonado. As nuvens a soprar em nós uma forma de vida que nunca antes nos tinha sabido tão bem.

Suponho que não, que não consegues imaginar tal coisa. Mas acho que não faz mal assim.







Música - Bandeira Flor, Daneiela Marcury

22/05/2008

Cartas de Lisboa I

Gabriel - Lamb

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Tens-me como um mundo onde a felicidade não tem contornos, uma quinta dimensão em alternativa a tudo o resto. Qualquer coisa certa na tua vida. Demasiado certa. Mas depois preciso que me deixes entrar no Teu Mundo e quando o fazes, Ele engole-me e tu não reparas em quase nada. Com honestidade, meu amor, e sem paz podre, deixa-me que te corrija: para ti não sou Beatriz, sou a tua namorada. Para ti, espero se entender esperar, mas não te habitues. Para ti, amor, eu vou tendo limites e depois disto, esforça-te mais porque as minhas alternativas hoje são muitas. Para ti, amor, tenho muito mau feitio e estou bem assim.
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Tudo isto para te dizer que podiámos ser tudo, mas primeiro teríamos de falar. Tudo isto para te pedir que espalhes ao vento que me amas. Que respires o meu nome. Que me digas se algum dia vais conseguir tornar tudo isto qualquer coisa que não uma paixão de fim de semana. Se algum dia me vais dar uma flor que seja. Escrever um poema sem rima, o desespero de um acto romântico; a falácia que é jurar a eternidade de coisa nenhuma, só para que a nossa vida não se esgote de magia – da verdadeira magia, daquela que ninguém domina.
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Tudo isto, amor. Tudo isto para te pedir um sinal todos os dias. Tudo isto para que as coisas sejam fáceis. Tudo isto para que as diferenças... tudo isto para que as diferenças, o tempo, a chuva, a distância e os amigos, o frio, a música, os projectos, as minhas e as nossas crenças, o teu vagar...Tudo isto para que nada nos afaste, com a simplicidade de um estalar de dedos.

Para Partilhar

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Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra para o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
sonhos vazios, despovoados
de personagens de assombro...
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

15/05/2008

Desafio...

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Há um Piano sempre à tua espera
(parado no tempo mas a seguir-te na vida).
(por Luís B.R.)

Este texto é a resposta a um desafio lançado pela Vanessa do blog a Dança dos Erros. São-nos pedidas seis palavras (uma frase pequenina, minúscula mesmo...) para uma muito curta biografia (há quem opte por um conceito) e podemos dar-lhes ênfase com uma imagem. Devemos colocar um link para quem nos desafiou e por nossa vez desafiar cinco blogs, avisando-os deste mesmo convite.

A minha curta biografia... podia ter escolhido um daqueles recortes de autor que nos enchem a alma, mas depois achei que nenhum deles seria suficiente. Achei que diria muito pouco. Então vai na volta e descobri esta frase e nela uma metáfora adequada, e nela um desejo secreto de alguém na nossa sombra a tocar para nós. Eu nunca soube tocar piano... mas sinto-me como se soubesse. A música... bem, a música acho que a escolhi porque sim.


Desafio a participar os seguintes bloggers:
Pedro Pinto – H(A) espera
Conteúdo Latente - Conteúdo Manifesto
Inês - c'etait une histoire d'amour
Filipa - Trompe l'oeil
Ana Sofia Cavadas - (Zero Absoluto)

07/05/2008

Cartas de Coimbra IX



Meu amor, esta é a vida que trouxe ao colo durante todos estes anos e que hoje é a própria Coimbra a quem todos nós nos rendemos. A intensidade da revolta, a intensidade das canções, a intensidade da sobrevivência. O que entendo hoje sobre o valor de ser estudante nesta cidade é muito mais do que palavras – na maior parte das vezes, canções. Não acredito que em parte alguma exista tamanho sentimento como o que envolve estas capas e batinas, este orgulho tão devidamente arrogante, esta nostalgia, esta paixão tão sujeita ao vagar dos dias, um Mondego assim, a eternidade das baladas e dos afectos, a intemporalidade das músicas de intervenção, o rigor e a tradição de mãos dadas. Um sofrimento assim que se adia com goles de traçadinho e de amizade.
E sabes, meu amor, tu estás nos interstícios desta vida, nos acordes de cada guitarra. Estás nos rostos de todos os homens que nos saudam na mansidão das madrugadas. Estás no calor aconchegante de uma capa traçada no regresso a casa. Estás nas vozes de fundo quando Coimbra inteira lança as capas ao ar e sonha em conjunto. Estás, acima de tudo, no entendimento que tenho hoje das coisas e da complexidade das coisas, tornando-se tudo, a pouco e pouco, cada vez mais simples. Porque tudo, meu amor, tudo passa, e estes dias passam por nós como que a juventude a revestir-nos a pele e a tornar-se memória. E sem darmos conta, a vida aconteceu-nos, quase por acaso...