30/06/2009

Cartas de Coimbra XXX






Está na profundeza das ideias o ser amada, o ser feliz, o ser melhor. Queremos tudo isso num pacote de viagens que nos leve para longe e que nos restitua, um dia, ao sítio onde de facto pertencemos. Há dias em que me ponho a pensar nas coisas e nas coisas que acontecem e que mudam para sempre a vida das pessoas. Imagino repetidamente coisas terríveis que surgem sem ninguém contar com elas e que deitam por terra todos os planos, todas as banalidades, todas essas concepções enviesadas dos problemas. Penso demasiadas vezes nos azares e no excesso de ironia das coisas. Em como será formar-me um dia e não saber o que fazer a partir daí. O peso da responsabilidade, das contas por pagar, da solidão de um quartinho alugado na baixa de Coimbra. No fim de contas, o peso de um luta diária por um espaço que seja meu. Por um espaço que seja realmente meu! Sinto que não sou senhora sequer das minhas ideias. Uma estudante universitária, com a promessa de uma auto-suficiência tardia. Das que trabalham mas não se sustentam. Nem se sentem capazes disso. Temos todos medo de não sermos capazes. Medo de sermos pequeninos para sempre, de não recuperarmos o brio de antigamente, de nos deixarmos ir passivamente para algum lugar, eventualmente melhor. Temos medo que nos escape alguma coisa. Queremos o mundo e o mundo assusta-nos. Pensamos nas coisas com o embaraço de uma primeira vez. Somos demasiado virgens, apesar de tudo. Olho para trás e lembro-me que Deus me prometeu proteger para sempre. Hoje em dia, Ele só não o faz porque o faço por Ele. Pelo menos é isso que nos ensinam. Depois, seja lá de que forma, encaixamo-nos e ficamos sem saber onde meter as promessas, os caloiros que fomos e sempre seremos, os amigos e o passado. Brindamos pela última vez às inconsequências dos vinte anos e esperamos acordar adultos feitos, mulheres na sua completa acepção da palavra, para podermos fingir que confiamos nas pessoas que se deitam ao nosso lado. No fundo no fundo, não queremos tanto assim, porque sabemos que há coisas terríveis que não se devem mudar. Serão sempre os mesmos rituais de passagem.

16/06/2009

Cartas de Coimbra XXIX

by ShotgunxSerenade


O tempo a esgotar-se e aos vinte anos temos medo de ficar sozinhos para sempre. O tempo a esgotar-se e a pressão que todos os dias nos obriga a coisas que não somos capazes. Na minha palma da mão alguém leu que eu não seria feliz assim. Os tristes acasos são a porta de entrada para um mundo de soluções. Ser livre de sentir não existe. Ser livre não existe. À procura de um porto seguro para que tudo o resto faça sentido, temos vinte anos e temos medo de ficar sozinhos para sempre. Estamos cansados que tudo nos falhe. Estamos cansados de correr, de construir uma muralha inabalável de projectos, de ter uma mão cheia de ideias mas nenhuma certeza. Mas nenhuma segurança.
Fizemos asneira repetidamente. Falámos demais, cedo demais, alto demais. Coimbra não nos perdoa tudo e nós seguimos na única direcção que conhecemos. Pedimos beijos e abraços em troca de vinho, fomos fiéis às pedras da calçada mas não às promessas dos amigos. Seguimos juntos sem dizer nada. O mundo acabou para quase todos nós, levamos a corda ao pescoço e as mãos atadas. Temos fome, temos sede de coisas novas. Falta-nos cor. Falta-nos tempo para nos sentarmos e chorarmos até tarde. Falta-nos banhos de chuva, banhos que nos lavem a alma, que levem a secura, que nos restituam a paixão. Precisamos todos de ler romances outra vez e de acordar com alguém ao nosso lado. Alguém que não consiga dizer que nos ama. Precisamos todos de menos espaço, para não nos sentirmos tão sozinhos.



9/6/2009

02/06/2009

Cartas de Coimbra XXVIII


Eu sou pela vida, pela liberdade, pela perdição. Sou pela inconsciência,pela consistência, pelos desejos e não pelos sonhos. Sou pelos planos de viagem, pelos amigos, pelos melhores amigos, pelas longas madrugadas de felicidade e não de insónias. Sou pela vingança e não pelo tempo perdido. Sou pelas histórias de amor e não pelas promessas. Quero ter aquele brilhozinho nos olhos de quem regressa da vida e guarda consigo as experiências, os acidentes, os sustos, os riscos, a intensidade de uma decisão precipitada. Quero aquela gargalhada aliviada de quem não precisa nunca mais de chorar. Quer ser uma resistente, uma lutadora, uma artista. Quero ganhar a vida porque a mereço, porque a provei de todas as forma e feitios. Quero dar a volta por cima sempre que o ar me faltar. Quero tomar um café com um homem bonito, num país distante. Quero descobrir que a minha cidade Natal é Paris, é Roma, é Zagreb. Quero deitar-me num campo cheio de papoilas e esquecer-me dos bichos, da sujidade, das horas. Quero vencer o cancro, o meu que é psicológico, e o dos outros. Quero ler Balzac outra vez, tratados imensos sobre a vida de quem nunca existiu de verdade, sobre os espectatores, sobre os invisíveis. Quero ser insensível às coisas más, às traições dos homens, às faltas, aos excessos. Quero dormir na praia, aquecida com um abraço. Quero sair impune da vida. Quero que amar alguém seja indolor, seja simples, seja suficiente. Quero acreditar sem ter que pagar juros por isso. Quero ter um gato. Um cão, dois peixinhos e uma morada para enviar as minhas cartas. Quero que goste de mim. Da expressão dos meus olhos quando se riem, da minha voz quando falo a verdade, do meu peito aberto à espera de um feedback. Quero que seja pela vida.




Hoje fui às compras: a tua música tocava em todas as lojas em que entrei. Eu devia ter seguido o conselho da vida e arriscado mais. Uma mudança radical enquanto o mundo estivesse a dormir. Acordaria de manhã e seria uma pessoa que não querias perder de vista. Teria a tez e os lábios brilhantes, um assobio na ponta da língua capaz de me mostrar o caminho.