28/12/2015

Cartas de Portalgre III

coton. by moumine


Somos sobras, apenas sobras. Tu sabes disso. Sempre soubeste - o exasperante desejo de me permitir consumir por esta paixão cega e ofensiva que nunca desistiu de mim. Tu não sei. Na minha fantasia mais doente, tu e eu teremos sempre uma história por acrescentar. Quase esqueço o teu corpo magro e tenso a tremer-me nas mãos. Quase esqueço que não nos olhamos nos olhos, não verdadeiramente. Mas eu era tua, tão levianamente tua, como hoje sou, à revelia de toda a gente e, ainda assim, tão estupida e pateticamente tua.
Orbito em torno da tua lembrança há 5 anos. Hoje sei o quão o tempo se torna inverosímel quando se fica paralisado. Não sei se te amo. Sei que me possuis, apesar do despeito, da distância, do mau sexo. Apesar dele. E apesar dela.
Entre a arte de esquecer e a incapacidade de lembrar, reinventamos a nossa história. Limámos os silêncios, beijámos melhor que nos livros. A saudade tira-nos o ar, e o sono, e a vida, mas sem querer, hoje somos apenas memórias delirantes que nunca aconteceram.

A vida que nós quisemos foi cancelada.

24/08/2015

Cartas de Portalegre II

lemonade by moumine

Aconteceu tudo há demasiado tempo. É irreal que ainda existas e que todos os dias te percas e eu te recrie, e eu te evoque, e por mais que morras, eu nunca deixe de acreditar que um dia vou deitar os meus olhos sobre os teus e vou ser tua, mais que tua, vou ser finalmente minha, muito minha - na derradeira aventura de amar a tua voz e o teu vagar e a tua eterna distância. Amor assim é certamente proibido. Morreria na tua boca, tenho a certeza. Não suportaria o teu toque, a tua nudez, o calor absurdo do meu rosto nas tuas mãos. Aconteceu tudo há demasiado tempo mas ainda aqui estamos os dois. Amo-te mais com o vagar dos anos, eis uma certeza. 

06/03/2015

Cartas de Portalegre

tomette. by moumine

foi bom ver-te. um dia, talvez, te concretizes na minha vida como um ponto final. todas as noites me lembro. sustenho a respiração, abafo o soluço, recrio os teus olhos fixos no chão; e eu ali, ao teu lado, tão longe. tão longe,tão hirta, tão fria, tão só.

e ali fico, hirta, triste, longe, partida, a fingir. finjo sempre, e às vezes dou por mim a chorar. sei-te escondido num luto onde não me deixas entrar - logo tu, que eras tudo, que eras chama, vento, história. não te posso amar porque não saberia fazê-lo. o teu corpo, as tuas mãos enormes, o teu desdém. mas fazes-me falta em tudo o que sou, em tudo o que faço. trago comigo a agonia de não saber de ti, de querer repetir-te em todos os estranhos, de te querer contar, de ter a certeza que em mim sobrará sempre um vazio maior que eu, maior que todas as coisas.

afinal amo-te. na incongruência que é ignorar estes porquês de andarmos há tanto tempo à espera do mundo. não sei onde estás. todos os dias, nestas minhas latitudes perdidas. não sei onde estás nem porque te importas em continuar tão longe. o meu amor foi um amor frio. contemplativo. infiél. indisponível. não sei onde estás mas procuro-te todos os dias. na lista telefonica, nas salas de espera, nas janelas de todos o aviões. em todos os homens em fuga. 

faltaram-nos as palavras. mais que o tempo, mais que a noite. eu só queria ter-te dito como paralizaste a minha vida e me empurraste nete vício de saltar sem rede. de amar sem destino, de ficar sem razão, de morrer sem ti.

um dia, talvez, te concretizes na minha vida.