07/02/2008

Cartas de Coimbra V


E trocadas as voltas, sou muito mais pequena do que supus. Somos todos. Jamais da integridade que acreditámos ser, jamais da coragem que pensámos ter. E trocadas as voltas, cada vez que te sujeitas a voar, cada vez que sonhas, cada vez que te vês lá no alto onde não estás, o mundo tropeça-te nos pés e mais pequena te tornas. E mais ninguém ter tornas. E menos sabes, e menos entendes, e mais medo somas, e mais consciência tens do que perdeste com o tempo que consumiste a sonhar. E mais pequena és.

E trocadas as voltas, as aparências iludem. E tu iludes-te com o reflexo espelhado que tens de uma estranha história a minguar-te nas mãos. Lá no fundo tu só querias ter visto o nascer do sol com ele ao teu lado. Tu só querias ter fugido com ele para um fim do mundo onde ninguém vos pudesse encontrar. Tu só querias ter recebido flores, ao menos no teu dia de anos. Que te tivessem feito uma surpresa que fosse, e percebido que precisavas deles. Que precisavas de ti e que não te tinhas. Tu só querias ter sido outra a quem as coisas não pesassem tanto. Outra que ele não tivesse tido de deixar e que hoje ainda iria acordar a meio da noite e aperta-lo contra si. Outra. Tu só querias que as tuas mãos não gelassem cada vez que, para não chorares, tivesses de escrever. Que para conservares o ritmo te adiasses por tempo indeterminado. Lá no fundo, tu só querias ter sido feliz. Tu só querias ter sido feliz à tua maneira resguardada de esperares por um rasgo de sorte para embarcares na vida. Mas o teu rasgo de sorte não veio ainda e tu sentas-te de pernas cruzadas à espera do destino. Consta que ele há-de chegar quando menos esperares e que aí talvez te conformes e sejas feliz assim.