20/03/2012

Cartas de Coimbra LIII

.
Dizer-lhe, enfim, que acabou foi talvez aquela forma tão minha de boicotar a própria vida e ajustar contas com uma culpa que trago escondida. Aquele adiar constante da paz que tanto evoquei, porque eu fui feita, afinal de contas, para ficar sozinha. E, novamente, dizem que entrei numa espiral de desespero, como há tanto tempo não entrava, aguentando-me neste limbo, cor-de-nada, em que todos evocam que perdi o juízo. Não sou daqui, nem de lado nenhum. Não lhe pertencia, como (agora sei) nunca te pertenci a ti. Fui um erro de cálculo. Um mero incidente. A partilha indiferente de fluídos, orgasmos e pena. Nunca vali o teu tempo, nem o teu esforço, nem o teu mérito. Eu fui dos enganos. Dos meses que se passam e do amor que me engole e me destrói, e me leva toda a força que eu não tenho, e toda a graça e prazer que não são meus. Como se a esperança fosse veneno e as minhas primeiras lágrimas um diagnóstico terminal. No fundo, eu sempre soube. Mulheres como eu não são felizes. Mulheres como eu rezignam-se. Mulheres como eu não viajam, não sonham, não ganham, não conquistam. Mulheres como eu não conquistam porra nenhuma. Mulheres como eu ficam presas para sempre naquelas tardes de agosto e nunca deixam de ser sombras.



Há dias assim. O teu melhor amigo trocou-te por duas patranhas e muitas histórias por acontecer. Sussurrou-te ao ouvido, mesmo antes de partir, que não havia mais ninguém. Tu morreste de novo. Precisas de fugir. Coimbra faz-te mal. Coimbra mata-te todos os dias e tu já não aguentas, e tu precisas de ir embora. Mas Lisboa está cheia dos homens que não te quiseram, e dos homens que não nos quiseram às duas. Continuar a crescer faz-te medo, e tu fazes dançar, entre os dedos, a caixa dos comprimidos. Já aqui estiveste e já daqui saiste, só não sabes se vale a pena. A realidade é uma outra coisa. Queres gritar e fazer as coisas bem, mas já nem voz tens, porque passaste a vida toda a pedir socorro e ninguém te ouviu. Lembraste daquele paciente que viste no hospital há alguns meses. O mundo é ingrato, e tu és ingrata, e depois lembraste que só querias metade do que sempre deste de ti. Dás-te conta que deste demais e que não sobrou nada de ti. És pó. Ou talvez tenha sido sempre assim. Sobraram-te três ou quatro convicções que já de nada te valem. A tua honestidade e a tua entrega conseguem ser anedóticas. O Mundo é uma outra coisa. O Mundo é proporcionalmente correcto e esteticamente justo. O Mundo, meu amor. O Mundo não precisa de nós. Nunca precisou.