05/11/2009

Cartas de Coimbra XXXV

existence by =Roinja

Existem elas e existimos nós. As que não têm nome. As que não têm rosto. O tudo que cabe sempre aos mesmos, os milagres que aos poucos se corrigem e se acomodam no devido lugar.
Tenho direito a este sentido de posse. A este bocadinho de fé e de cumplicidade que era meu, apesar de tudo. Tenho direito à tristeza, ao abandono, ao nó no estômago que me puxa para baixo, me revolta e me faz uma pessoa pior. Tenho o direito de não querer que me tirem os milagres. Sem eles, fico reduzida ao elo esquecido de uma equação lógica cuja solução todos preveram. Por razões que a medicina não explica, a minha cara é fácil de esquecer. Sou literalmente a multidão que envolve as pessoas bonitas. Faço parte de um contexto, um tijolo sem feições que ninguém reconhece.
Ao voltar atrás, olho com atenção e não sei o que fiz mal. Em que fase da vida perdi o andamento e o direito a ser notada. Talvez tenha sido sempre assim. Talvez tenha sido sempre apenas isto: a combinação de duas mãos nos bolsos e um sorriso triste e transparente.
Perdi o meu melhor amigo com o virar da estação. Seria com ele que ouviria pela última vez a Balada de Despedida do 6º ano Médico. Seria com ele que, um dia, quem sabe, da noite para o dia, eu ficaria adulta. Com quem passaria a última Queima, como se fosse a primeira. E ele choraria, e eu choraria. E esse seria o meu milagre porque pela primeira vez, era algo de genuíno que acontecia sem conquista, sem ressentimento, com a espontâneadade das coisas que secretamente sempre quisemos.
Mas há sortes que não são nossas e, tarde ou cedo, as circunstâncias acabam por fazer também da nossa vida um perfeito cliché.