26/07/2014

Cartas de Évora VII

Depois de tanto tempo - uma década, talvez, ele estava no meu sonho. Mas, magia por magia, ele já não era ele, a magia era outra e a minha ausência um facilitador de sonhos - só que este amor era ainda terno e calmo e fresco. Só que este amor tinha ainda 20 anos e o mesmo medo de falhar.
Pensei: talvez devesse voltar a vê-lo, talvez devesse escrever-lhe, talvez devesse contar-lhe. Toda a nossa vida era uma vertigem de partidas - e só a memória dele me valia. E de repente, ele estava de corpo e voz dentro de mim, tal e qual como da primeira vez. Como talvez tivesse estado sempre: no mais impenetrável dos sonos, na mais sincera das memórias. Eu e ele, naquele segundo andar em Wazemmes. Eu e ele, sob o mesmo guarda-chuva, sob o mesmo Setembro. Sob o mesmo Setembro de onde nunca saí, ao qual me moldei - devoção, música e encanto - eu procurava-te em todas as esquina e, sem querer, um ano se passou, sem que tivéssemos voltado àquele Setembro em Wazemmes. E de repente, estava tudo dentro do que podia até ser um pesadelo, o perder-lo de novo, várias vezes na mesma noite, o perde-lo no materializar do primeiro cheiro, no materializar do primeiro toque. O perde-lo ao primeiro sinal de fraude.

Da última vez que o vi, deixou-me um quadro assinado por ele - que eu perdi nas mudanças. No verso dizia «quão raro e maravilhoso era ter a certeza que conhecemos alguém».
Hoje de manhã escreveu-me de novo e disse-me que ia chegar.