(...) Mas não era isso. Pelo menos dessa vez não era
isso, e creio que nunca chegou a ser. Durante o tempo em que estivemos juntos,
um Verão inteiro, lembras-te? Evitámos o drama, ou evitaste-o tu pelos dois, e
é isso que eu dizia, a vida descrita por ti devia ser um vulcão de excessos,
uma aventura no limiar do irracional, era quase uma ficção, e eu deveria ter
percebido que essa é a tua maneira de viver, um romance vale mais que mil
ensaios, dizias muitas vezes, e tinhas razão, pelo menos tinhas a tua razão, e é
por isso que percebo o que querias dizer com a história do bêbado e da vida
dele, sim, cada um vive por dentro a sua própria metade da vida convencido que
é apenas uma metade, mas na realidade é a sua vida inteira, a sua vida
incomunicável, sentida como coisa tão inteiramente sua que nem sequer vale a
pena partilhá-la, e isto é mentira, é uma mentira moral, não se trata de não
valer a pena, isso é uma desculpa com que se ilude o pavor de não se poder
transmitir e partilhar, estamos tão longe uns dos outros, é isso que eu sinto,
como estou longe de tudo e de ti, meu amor. (...) Sentia que me
amavas por fora de mim, que entre nós só existia uma precariedade feita do
simples desejo de estarmos um no outro, e que isso tornava absurdo todos os
sonhos que sonhara contigo, tenho pudor em escrevê-los e também agora já não
interessa, mas a minha vida imaginada ficara pelo caminho e eu tentava
desesperadamente perceber onde é que falhara e, era curioso, ao mesmo tempo
tinha a sensação confortável de que o nosso fora um episódio sem falhas, nem
tuas nem minhas, e isso revoltava-me, porque era injusto que duas pessoas tão
obviamente feitas uma para a outra, desculpa a vulgaridade, se atropelassem
assim, na pressa de partirem cada uma para seu lado (...).
por António Mega Ferreira
Sem comentários:
Enviar um comentário