Tinha 17 anos quando te escrevi a primeira carta. Hoje tenho 34. Num intervalo de outros 17 anos, fui profundamente feliz e vivi coisas que sentia não merecer; olhando para trás, parece que aconteceram a outra pessoa. Não ficou provavelmente quase nada por fazer e, contudo, ainda hoje, o vazio é igual.
Hoje como há 17 anos atrás, não sinto a ressonância do mundo e por mais insights que a vida nos dê, continuamos demasiadamente sós para conseguirmos dividir estas cartas.
Eu sei que o maior segredo é ser uma terapeuta deprimida, de repente incapaz de ajudar seja quem for porque as queixas de insónia e de apatia se tornaram lugares-comuns. Porque a convicção de que, um dia, vamos simplesmente decidir não continuar, nos parece demasiado familiar.
E, contudo, sei que a fantasia é um instrumento poderoso, um livre-passe para fora deste lugar - deste lugar onde apostamos todas as nossas horas, sem realmente tolerarmos a ideia de ficar. Fomos ficando. Fomos ficando e a fantasia de um amor resgatado é às vezes a única coisa que nos dá alento.
Deixou de haver poesia, ou o cheiro de cigarros e torradas queimadas nas manhãs de domingo. Deixou de haver lugar ou tempo para te escrever.
Desejamos, como toda a gente, voltar lá trás e sentir a tragédia das coisas menores.