04/02/2014

Cartas de Évora II



A tua memória é puro erotismo, na maioria dos dias. Eu vou de vestido vermelho e salto alto. Cheiro bem, estou de passagem e quis o acaso que te encontrasse outra vez - seria Milão, São Paulo? Não sei. Tanto faz. No resto dos dias, acordo de olhos vermelhos, escondida no perigo que é viver-te a tantos quilómetros de distância, a tantos dias de silêncio. Não entendo o que nos aconteceu. O que me aconteceu. A gente vai cruzando países e já qualquer homem nos serve e eis que, de repente, que não, que tinhas de ser tu, que todos os outros te ficam na sombra e tu nem eras excepcional como prometido. Faço calçadas e calçadas de ruas, perguntando às pedras se trocámos o orgulho por paixão, o despeito por promessa. O teu rosto, o teu nome, o teu sabor. Lembrar-te é quase pecado. Fazes-me falta onde nunca exististe. O teu lugar é no meu corpo e o meu lugar não é nenhum. Choro porque sim, por teimosia, por não poder largar-te, não ainda. A tua memória é puro erotismo e eu preciso dela - depois dela, não há mais nada. Depois dela, já nada me interessa.
Tudo isto é frio e tudo isto é novo para mim. Não me lembro da última vez que fiquei para trás, convencida que tudo não passara de um engano. Porque é isso que eu penso. Um dia vais ligar. Um dia vais me ver no aeroporto de Milão, ou Madrid, ou Frankfurt, e eu estarei de vestido vermelho e salto alto. E nessa noite, tanto faz. Talvez te despreze, talvez te veja como da primeira vez. Olá o meu nome é Bea e volto amanhã para França. Hoje tanto me faz.