04/05/2012

Cartas de Coimbra LVI


Tudo isto nos custa como nos custam todos os novos começos. Ganhar coragem e ver-me de novo ao espelho. Desconstruir-me e montar-me de novo. Tudo isto nos custa como nos custam os sonhos hipotecados. Todas aquelas convicções que nos tiraram, tudo aquilo que eu era e tudo aquilo que me fazia vibrar, todo o nosso tempo que ninguém quis. Odeio Coimbra com todas as tantas razões que a idade esqueceu. A capa e batina dos ricos. A cerveja entornada dos cegos. Os amigos das portas de igreja que nos deixaram morrer. Olho para trás e seguro em mim a impotência de não querer menos. Coimbra não chega, da mesma forma que eu nunca cheguei para Coimbra. Passámos a vida inteira a pedir desculpa pelo medo que dá termos sido honestos por uma noite. Dói como nunca doeu, como nunca Coimbra fez que valesse a pena. Há tristeza, mentira e vidros partidos em todos os telhados desta cidade. Não há tradição nem magia em nada disto; as histórias de amor, alguém as afundou no rio na época de outras chuvas. Olho para este negro que despi e rasguei no chão e tenho dó de quem não tem mais nada senão Coimbra. É de solidão que falo nos goles de vinho, é por saudades de mim própria que preciso ir embora. Coimbra mata-me todos os dias. Coimbra vem, de mansinho, segura o meu corpo de encontro ao chão, pisa-me e vai-se embora. Coimbra diz que eu não valho nada. Coimbra não me vê. Não me espera. Não me perdoa. Coimbra não passa de um capricho. Coimbra matou-me, faz muito tempo, e ninguém fez nada.