15/05/2009

Cartas de Coimbra XXVII

by oprisco


Tenho saudades, digo-te em surdina. Olho-te nos olhos e espero que me respondas a um espaço inteiro de completo vazio. Trago-te comigo pendurado ao peito, lembro-me de ti uma vez ao dia e depois esqueço-te na persistência deste quelque chose que me falta. Na dureza das escolhas, fecho olhos e entro de rompante na vida dos outros, desviando o sentido às palavras para que nunca me levem de novo a ti. Tenho na boca a persistência de um sabor amargo, o ardor de um café demasiado quente, as feridas de uma língua trincada para que o mundo não doesse tanto assim. Embrulhada no último frio da estação, algo vai mal no reino desta minha glória de falar demais. As mágoas de sempre aprimoradas sem o direito de se ser uma vítima a valer. As minhas recordações lixadas nos cantos para se poderem encaixar nas tuas. As paixões que nunca nos saiem do peito, que se entalam na voz e que minguam até não serem importantes. Falta-nos ritmo, amor. Às vezes estamos simplesmente à espera que alguma coisa aconteça, que alguma coisa nos afaste, que alguma coisa decida por nós o que fazer a seguir. Às vezes estamos simplesmente a adiar o amor. A adiar as conclusões, a fingir que as coisas más, nós nunca as dissemos, nós nuncas as sentimos.

04/05/2009

Cartas de Coimbra XXVI

naked by ~little-stupid-sophie





Matas-me todos os dias com a tua subtileza. Sinto-a dançar sobre o meu sono, minando tudo o que de bom aconteceu. Desculpa se não te faço feliz. Durmo de dia, trago a vida vestida do avesso, descuido nos promenores. Sinto o martelar das noites na minha cabeça, o ribombar do coração incontrolado, as lágrimas como águas paradas na periferia dos meus olhos fechados. O choro dos amigos, o tic tac das horas de espera, a tua ausência, a tua miragem. Os abraços que não são teus, a presença que não é a tua. As portas que nos batem na cara, com a destreza de quem não sente. É tudo uma questão de nudez, de capricho, de sexo consentido. Faço meus os teus desejos e desejo, assim, por conveniência. Procuramos os dois uma alternativa sem culpa, mas eu no fundo só queria o teu amor: poder lavar-me com as tuas mãos, despir-me com as tuas mãos, prever-me com as tuas mãos. O mundo é um berlinde que me cabe no bolso, mas eu não chego para ti. Eu não sei de ti, não te sinto, não te vejo. Mordo os lábios e ensaio a tua chegada. Prometo ser-te fiel até ao final desta última noite e rezo para que o sejas também. Olho para trás e recordo-me apenas de lençóis revolvidos a meia luz, de um perfume ainda morno, de um beijo na testa a troco de tudo. Do outro lado da estrada, ficaram os meus copos de vinho caídos, uma batina enxuta de lágrimas, um palco vazio. Do outro lado da estrada, ficou Coimbra à mercé das serenatas, à mercé do luto, à mercé das lutas. Coimbra à mercé dos amores de ocasião.

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